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Museus interativos de ciências: renovação industrial e tecnológica

publicado: 30/08/2020 00h00, última modificação: 04/11/2020 01h27
Equipamentos têm o papel de estimular o professor disposto a construir com o estudante o conhecimento
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Museu de Ciências Morfológicas da UFPB está sendo preparado/ foto: divulgação
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Museu Vivo de Ciência e Tecnologia Lynaldo Cavalcanti, em Campina Grande/ foto: divulgação
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Museu Vivo de Ciência e Tecnologia Lynaldo Cavalcanti, em Campina Grande/ foto: divulgação
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Evandro Passos (o quinto, da esq. para a dir.) e sua equipe/ foto: divulgação
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Márcia Dementshuk

 

O efeito dos museus interativos de ciências é marcante na vida das pessoas e dos educadores. Tem o papel estimular o professor disposto a construir com o estudante o conhecimento, não apenas de ciências mas outras matérias também. Físico e pioneiro na implantação de museus de ciências, o professor Evandro Ferreira Passos, da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que são ambientes que alavancam e promovem renovação nos processos industriais e tecnológicos.

Evandro Passos esteve recentemente, de forma virtual, em uma conferência na Secretaria Executiva Estadual de Ciência e Tecnologia da Paraíba quando falou sobre a popularização da ciência por meio dos museus interativos de ciências. “O potencial dos museus interativos de ciências para a formação científica e tecnológica, e acima de tudo, da cidadania é inquestionável”, afirmou.

O museu de ciências é desafiador e estimula, por parte do visitante, a atitude de interagir e querer compreender as causas e efeitos dos fenômenos. “Essa é uma atitude muito útil ao cidadão porque empodera o indivíduo que reconhece ser capaz de compreender melhor os mistérios do mundo interagindo e estudando. Não há estímulo para essa conduta na sociedade. Esse tipo de popularização da Ciência que visa criar no cidadão comum não só o gosto pela ciência, mas, sobretudo, a atitude científica perante o mundo e as coisas é extremamente interessante do ponto de vista da formação do cidadão, porque ele passa a acreditar que com seu esforço individual, com suas faculdades mentais ele é capaz, sim de compreender o mundo”, falou Evandro Passos.

Esta é uma postura crucial diante da enxurrada de informações às quais as pessoas estão expostas. “A interação desperta a curiosidade, a participação e a atenção. A Ciência, mesmo dentro da escola, no Ensino Fundamental e Médio, é colocada como algo meio difícil, complicado, que só os grandes cientistas dominam. Nesse esforço de popularização da ciência, o objetivo nem tanto é transmitir conhecimento científico, mas é despertar nas pessoas aquela coisa que a criança tem, que é a curiosidade nata de querer tudo conhecer, tudo descobrir, ao mesmo tempo oferecendo montagens que permitam a ele um certo entendimento que lhe satisfaça sua inteligência”, explicou Passos.

Pela definição da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências (ABCMC), estão incluídos nesse conceito não só os espaços com equipamentos experimentais de física ou química, mas também os aquários, jardins botânicos, zoológicos, podem se enquadrar em uma concepção ampla como museus de ciências.

Os paraibanos têm museus interessantes e inéditos para inserir na agenda quando as visitações voltarem a ser feitas de forma segura por causa da epidemia pela covid-19, como o Monumento Natural Vale dos Dinossauros, em Sousa; o Museu Vivo de Ciência e Tecnologia Lynaldo Cavalcanti, em Campina Grande; o Espaço Energisa, em João Pessoa; além da atração marinha, o Aquário Paraíba ou o Jardim Botânico Benjamin Maranhão. O diferencial, de acordo com a ABCMC, está na disponibilidade de monitores que conduzam os visitantes nas “viagens experimentais”. Porque a sensação, depois de um passeio em museu desse tipo é justamente a de ter feito uma viagem para um local antes desconhecido.

 

Cientista mineiro implanta museus

 

Evandro Passos é natural de Minas Gerais; graduou-se em Física e depois se tornou professor na Universidade Federal de Minas Gerais em Viçosa. Despertou para a aplicação de experimentos no ensino quando começou a lecionar História da Física - viu-se compelido a fazer reflexões sobre o que é ciência. Nesse período, teve contato com o Estação Ciência da Universidade de São Paulo, em São Paulo, museu interativo que exerceu o papel de precursor no Brasil e foi modelo desse tipo de instalação.

Evandro Passos salienta a atuação do professor Ernest Hamburger, falecido em 2018, como um dos mais importantes incentivadores da popularização da ciência no Brasil, especialmente com a implantação do Estação Ciência da USP.

No final da década de 1990, Evandro Passos visitou o museu em São Paulo e Ernest Hamburger deu-lhe uma injeção de encorajamento para aplicar esse conceito em Minas Gerais. A dose foi cavalar. Em 1997, estava aberta uma sala, em Viçosa, com experimentos interativos. “Qual não foi a minha emoção e surpresa ao ver nos olhos das crianças que frequentavam a sala, um brilho especial. Eu decidi: é isso que eu quero; é isso que eu gosto. Desde então, tenho me dedicado a projetos dessa natureza”, conta Passos.

No mesmo ano de 1997, Evandro Passos abriu em Viçosa o Parque da Ciência; o projeto inspirou professores da Universidade Federal de Juiz de Fora que visitaram o museu construído por Passos em Viçosa e aportaram com a ideia em Juiz de Fora contando com o apoio da universidade. Hoje, o Centro de Ciências da UFJF é destaque nacional.

Outros espaços desse tipo, em Minas Gerais foram abertos por influência da experiência em Viçosa. Passos implementou um museu municipal em Ipatinga, executou um projeto em Teófilo Otoni que está aberto; uma sala de “brinquedos” interativos no Museu de Ciência e Técnica em Ouro Preto - sala que atrai mais os visitantes do que a exuberante exposição de pedras e gemas e minérios na sala de mineralogia, projetada por um francês. E ainda, no município de Matozinhos o museu teve uma vida muito curta; foi descontinuado em função de interesses políticos. E ainda, há um projeto em andamento, em Belo Horizonte.

Em Viçosa, quando professor Evandro se aposentou em 2011 o museu que deu origem a essa mobilização recebia em torno de 10 mil visitas por ano e, mesmo assim, fechou suas portas. O Estação Ciência da USP recebia mais de 200 mil visitantes por ano em 2013 quando fechou para visitação pública; em 2016 deixou o edifício que ocupava desde o início das suas atividades. As exposições foram disponibilizadas para o público em outros espaços da USP.

 

 Metodologia dissemina o ensino experimental de ciências

 

A motivação injetada em Evandro Passos pelo professor Ernst Hamburger na década de 1990 surtiu um efeito de longo prazo. Além de implementar museus, Passos iniciou um projeto de capacitação de professores para o ensino da Ciências. O “ABC na Educação Científica: Mão na Massa”.

É um projeto de capacitação de professores com uma metodologia de ensino investigativa que nasceu nos Estados Unidos, migrou para a França e foi adotado pelo sistema público de educação daquele país e chegou ao Brasil por intermédio do professor Hamburger. Passos frequentou as oficinas na USP São Carlos e iniciou oficinas nos municípios de Minas Gerais. Mais de 4.500 professores em 1.800 escolas de 520 municípios passaram pela capacitação. E ainda, professores de outros estados participaram dos seminários promovidos pelo professor Evandro Passos.

A “Mão na Massa” chegou, inclusive, na Paraíba. Não por intermédio do professor Evandro, mas pelos professores da USP São Carlos, que estiveram em Campina Grande, em 1992, um ano depois da fundação do Museu Vivo de Ciência e Tecnologia Lynaldo Cavalcanti.

Foi no Museu Vivo onde o professor Paulo Carneiro conheceu a metodologia. A equipe da USP São Carlos trouxe uma “experimentoteca”, com equipamentos interativos nos quais o professor era treinado e podia levar os kits para a escola e aplicar com os alunos. Os kits, como fabricação de papel reciclado, destino do lixo orgânico, e outros,  aplicam conceitos de sustentabilidade e meio ambiente, direcionados para estudantes do Ensino Fundamental, até o 5º ano.

“A formação de professores foi um impulso para que as escolas tivessem condições a abrir laboratórios dentro da escola”, revela o professor Paulo Carneiro, que atualmente é Gerente de Inclusão Digital na Secretaria Municipal da Ciência, Tecnologia e Inovação de Campina Grande e gerencia o Museu Vivo.

“Houve a necessidade de criarmos um centro que pudesse receber o aluno no museu. Havia a experimentoteca e uma sala de treinamento de professores. Com o tempo, esses espaços cresceram. Em 2011, depois de uma reforma, foi concebido um espaço como sonhávamos para criar exposições para que fosse possível a ciência se expandir na cidade. Hoje temos mais de 50 equipamentos de física, além dos de química, matemática e ciências naturais”, revela Paulo Carneiro.

Em 2017 foi implantado no Museu Vivo o Proafe, Programa de Ensino e Aperfeiçoamento dos Professores e Estudantes em CG. Estudantes de graduação de Química, Física, Matemática e Ciências Biológicas da Universidade Estadual da Paraíba são monitores de estudantes da rede municipal de Campina Grande, até o 5º ano e aplicam as atividades lúdicas

 

UFPB prepara Museu de Ciências Morfológicas

 

“Os museus de arte são mais voltados para valorizar o artista, a obra de arte. No museu científico o objetivo é que o visitante adquira um conhecimento ao estar ali”, argumenta a professora Monique Danyelle Emiliano Batista Paiva, presidente da comissão de criação do Museu de Ciências Morfológicas da Universidade Federal da Paraíba.

Essa é a proposta do novo museu planejado pelos pesquisadores do Centro de Ciências da Saúde da UFPB: que o visitante tenha uma visão completa da anatomia, da citologia - uma visão microscópica -, e a embriologia, que é a formação do ser humano. Um ambiente onde os sistemas do corpo humano estarão integrados e será possível entender o corpo humano como um todo, sem divisão entre as áreas de conhecimento.

Os sistemas poderão ser visualizados em peças sintéticas e naturais. “Teremos um espaço onde as formas humanas poderão ser comparadas às de animais; em um espaço sensorial, os  aromas, música, ilustrações com cores vibrantes, irão estimular os sentidos visão, audição, tato, fala, olfato, focando os sentidos”, esclarece professora Monique.

A área da Embriologia terá peças sintéticas feitas de resina e peças reais, representando embriões e fetos; painéis ilustrativos representando a fecundação. O museu disponibilizará acesso gratuito à Internet especialmente para interação por meio de QR Code fixado em determinadas peças.

Uma equipe de 42 pessoas estão envolvidas no desenvolvimento do Museu de Ciências Morfológicas que deverá ser inaugurado ainda neste ano. Os estudantes estão trabalhando à distância, fazendo pesquisas desses materiais. Enquanto não é possível estar presencialmente no museu, está em planejamento a produção de vídeos para a Internet. Assim, será possível matar a curiosidade!