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Sertão paraibano na rota das grandes pesquisas espaciais

publicado: 26/04/2019 14h42, última modificação: 07/01/2020 09h13
Governo do Estado libera recursos para construção de radiotelescópio para estudo da matéria e energia escura
Divulgação Projeto Bingo

Divulgação Projeto Bingo

“A matéria do que somos feitos compõe 5% do universo. Nosso corpo, tudo o que há na Terra e o que podemos enxergar no espaço, planetas, estrelas… Todo o resto, é alguma coisa que sabemos ser diferente daquilo de que somos feitos. Não sabemos o que ela é. Apenas que não é um átomo, um elétron; não é luz… É o que chamamos de matéria e energia escura. Mas o que é energia escura? Do que é feita? A energia escura vai dizer-nos a velocidade que o universo evolui.”

A afirmação é feita pelo pesquisador Luciano Barosi, coordenador na Paraíba do Projeto Bingo, um radiotelescópio que será construído no Sertão do Estado para chegar-se à respostas às perguntas acima.

O nome Bingo vem do acrônimo em inglês que, traduzido, fica: Observações de Gás Neutro das Oscilações Acústicas Bariônicas. Para quem não é da área, fica mais fácil entender da forma como o professor paraibano Francisco de Assis de Brito, da Universidade Federal de Campina Grande, explicou: o telescópio irá medir ondas de rádio produzidas pelo hidrogênio desde os primórdios do Universo. “Há algum tempo, os cientistas ao redor do mundo envolvidos com estudos de objetos que interagem com a luz concordaram que a energia escura poderia ser detectada através de ondas. Em 2014, chega-se a um projeto viabilizando um radiotelescópio capaz de identificar essas ondas e extrair informações sobre elas.”

O problema é que o Bingo só funcionará bem se instalado em um lugar onde as ondas de radiofrequência não cruzem. Um ambiente livre de sinais de TV, de celular, de internet… Onde? Em 2014, com as plantas em mãos, um grupo de cientistas de vários países encontrou este local no Uruguai. Iniciaram as tratativas, mas esbarraram em problemas burocráticos.

Desde então, até o ano passado, a procura passou por territórios em todos os continentes, quando, enfim, descobriu-se o local ideal: um terreno levemente inclinado, com horizonte alto, acessível e, o principal, poucas ondas de radiofrequência pelo ar. Município de Aguiar, Sertão da Paraíba; mais de 400 km distante da capital, João Pessoa; a 80 km de Cajazeiras.

Ao longo de 2018, o grupo de pesquisadores do Reino Unido, Suíça, França, África do Sul, Uruguai, China e do Brasil, tratava com o Governo da Paraíba a instalação do Bingo. Prontamente, houve o reconhecimento na Paraíba pela importância do projeto. Nesta quinta-feira (25), o Governo do Estado, em convênio com o CNPq, liberou R$ 368.900,00 pelo de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). O valor total do projeto estará em torno de R$ 17 milhões. Além de Luciano Barosi (na Paraíba), Élcio Abdalla, da Universidade Federal de São Paulo e Alex Wuensche, do Instituto de Pesquisas Espaciais, coordenam o projeto no Brasil, juntamente com os pesquisadores internacionais. Só na Paraíba, mais de 30 acadêmicos estão envolvidos. As ações da equipe são divididas em 17 grupos de trabalho distintos.

 

Tecnologia desenvolvida na Paraíba

 

O esforço dantesco para conhecer a energia escura trará reflexos no mundo visível. Segundo Barosi, um projeto científico amplo, um Big Science, tem que envolver ciência, tecnologia e desenvolvimento social. “No caso do Bingo, a ciência é a radioastronomia, a cosmologia; quanto à tecnologia, vamos tanto usar quanto criar”, fala Barosi.

A produção de cadeias e inovação de produto, ocorrerá na Paraíba e em São José dos Campos (SP), no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. “Uma parte desses produtos tecnológicos já existe e outras estamos criando mesmo. Isso tem relevância econômica, na área de telecomunicações e de processamento de imagens. Será produzido na Paraíba um equipamento cuja demanda é muito grande no mercado aeroespacial, radar e o científico. Pouca gente no mundo tem o conhecimento para fazer esse produto e a vamos construir 50 itens”, salienta Barosi, revelando que trata-se dos “backends”, recebem o sinal analógico vindo das antenas e os digitaliza.

No INPE, já está à vista a “Corneta”, uma parte que equivale àquela bolinha que aponta para o alto na antena parabólica. As que serão usadas no Bingo (50), são grandes, com 2m de diâmetro e 5 de altura e pesam pouco menos de 300 kg. Únicas no mundo. “Esse ganho de conhecimento tecnológico é importantíssimo”, avalia Francisco Brito, da UFCG. “E, além de termos um local adequado na Paraíba, temos aqui pessoas capacitadas para trabalharem nesse projeto”, complementa.

 

Ciência chega aos quintais das casas

 

O impacto social já é percebido em Aguiar. Barosi conta que os moradores, cerca de 5.571 (IBGE 2018), dos quais apenas 7,7% compõe a proporção de pessoas ocupadas (2016), têm muita curiosidade de saber por que tanta gente estranha começou a visitá-los ultimamente. “Essa curiosidade nos abre portas para falarmos de ciência”, diz Barosi.

“O prédio a ser construído terá uma altura aproximada de 20 andares e provocará movimentação de materiais e mão de obra na cidade. Mas, depois disso, quando uma criança andar de bicicleta e avistar aquela obra, chegará em casa perguntando a um adulto: o que é aquilo? O nosso papel é explicar isso para eles. Por isso, mensalmente uma equipe dos campi da UFCG de Campina Grande e de Cajazeiras visita as escolas, conversa sobre ciência e depois, entra no assunto específico do observatório. Em breve, esses estudantes terão seus filhos, para os quais já saberão contar o que acontece naquele grande prédio”, explica.

O professor Francisco de Brito declara o privilégio dos paraibanos por abrigar em seu território um equipamento de alto nível científico. “Dentro do Bingo, serão feitos estudos complexos. Mas o que envolve o projeto é muito simples: ao longo do percurso, chegaremos com capacidade de criar equipamentos que as pessoas usarão no dia a dia. Foi assim no projeto que levou o homem à Lua. A questão, não era ‘pisar na Lua’, mas desenvolver computadores, processadores, lentes… Objetos tão comuns hoje, para nós, 5 décadas depois.”