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ENTREVISTA

Rubens Freire, Secretário Executivo de Ciência e Tecnologia da Paraíba

publicado: 19/10/2020 14h27, última modificação: 19/10/2020 14h50
Em entrevista ao Jornal A União, gestor fala das ações e da implantação de um radiotelescópio de R$ 20 mi na PB
Rubens Freire

Rubens Freire destaca a participação da Paraíba em projeto de pesquisa internacional que estudará o cosmos

 

Por Lucilene Meireles, A União

A necessidade de isolamento por conta da pandemia do novo coronavírus afetou o mundo inteiro, mas os pesquisadores não deixaram de atuar por conta disso. Na Paraíba, por exemplo, foi articulado um edital de apoio para pesquisas relacionadas ao cenário pela Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia em parceria com a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq). Para isso, foram investidos R$ 2 milhões em projetos de pesquisa e desenvolvimento de ações de enfrentamento à pandemia, tornando-se, inclusive, exemplo seguido por outras instituições do país. Há também projetos previstos para mais adiante, a exemplo de um radiotelescópio que será construído no Sertão da Paraíba, no município de Aguiar. A iniciativa, orçada em R$ 20 milhões, conta com parcerias internacionais, e a previsão é que entre em operação dentro de dois anos.
As informações foram repassadas pelo secretário executivo de Ciência e Tecnologia da Paraíba, Rubens Freire. Ele é doutor em Física pela Universidade de São Paulo (USP), fez mestrado em Geofísica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e possui graduação em Física pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde é professor. Na UFPB, foi chefe do Departamento de Física, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Física e representante do Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN) no Conselho Superior do Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe).


Nesse ano atípico, de pandemia, que ações foram desenvolvidas pela Secretaria de Estado
de Ciência e Tecnologia no trabalho conjunto de combate ao coronavírus?

- Exclusivamente com foco na questão da pandemia do coronavírus, nós articulamos, em conjunto com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq), um edital de apoio a pesquisas correlacionadas com o enfrentamento à pandemia. São ações de pesquisa e desenvolvimento realizadas pelas instituições públicas com cerca de 20 projetos aprovados. Inicialmente, foram aprovados oito de um conjunto de 48 ideias apresentadas pela comunidade científica do Estado da Paraíba em resposta a esse edital. O edital inicial é de R$ 1 milhão e conseguimos estender para mais R$ 1 milhão com o apoio da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba (ALPB). Para isso, tiveram papel importante o deputado presidente Adriano Galdino, e o deputado presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia Buba Germano, mas todo o parlamento foi unânime no apoio que a ALPB ofereceu ao governo do estado, sendo que R$ 1 milhão para os projetos que nós estávamos selecionando e aprovando. A Fapesq tem uma política de ciência e tecnologia articulada com a secretaria. Em síntese, aplicamos R$ 2 milhões em projetos de pesquisa e desenvolvimento para enfrentamento à pandemia do coronavírus. Isso não é pouco. O nosso edital tornou-se exemplo para inúmeras instituições do Brasil.

Quais os projetos de destaque realizados durante a pandemia?

- Temos o ‘Ouse Criar’, um projeto que visa engajar os estudantes da rede pública, de nível médio, em atividades criativas envolvendo ciência e tecnologia. São várias etapas das disputas e competições que envolvem todas as escolas, as gerências regionais do ensino. Esse projeto está em curso e o objetivo dele é formar o estudante dando a ele uma visão além do cotidiano da sala de aula, o empreendedorismo, iniciativa, engajamento em problemas relacionados com a comunidade onde ele está próximo e usando a tecnologia de informação para solucionar esses problemas. Estamos envolvidos também no projeto ‘Arte em cena’, que presta uma homenagem a Sivuca. Isso é um projeto mais do campo pedagógico. Entretanto, a secretaria está envolvida. Nós estamos construindo também uma cooperação com a Secretaria de Estado da Agricultura Familiar um programa de ciência e tecnologia em apoio à agricultura familiar. Para se ter uma ideia, cerca de 73% da alimentação que comemos são produzidos neste ambiente. Se a gente observar o Brasil, mesmo em situação de pandemia, não houve desabastecimento de hortifrutigranjeiros. Isso porque o sistema da agricultura familiar continua atuando.

Como está o Brasil no cenário internacional no que diz respeito à pesquisa científica?

- Um projeto em curso que a Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia está apoiando e que tomará corpo e visibilidade em breve é a construção de um radiotelescópio de grande  proporção no Sertão da Paraíba, na cidade de Aguiar. Orçado em R$ 20 milhões, o projeto incorpora várias instituições no mundo, como Manchester, Montreal, Pequim, São Paulo, Berlim e Paraíba, e deve entrar em operação dentro um ano e meio a dois anos, porque não é algo trivial. São duas antenas numa área de 1,2 mil metros quadrados cada uma. A torre tem altura correspondente a um prédio de 20 andares. Nós, da Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia, estamos comprometidos em apoiar essa iniciativa, que é do Sistema Universitário Brasileiro, Universidade de São Paulo em parceria com algumas instituições brasileiras, no nosso caso, a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), e o Estado, por meio da Secretaria de Ciência e Tecnologia.

Qual a sua avaliação a respeito dos investimentos que o governo brasileiro tem feito na pesquisa científica?

- A história do financiamento para pesquisa científica no Brasil é cheia de altos e baixos. É inequívoco que nos tempos recentes o ponto alto do processo de financiamento ocorreu no governo Lula, quando houve expansão do sistema universitário, de bolsa, houve programas como o ‘Ciência sem Fronteira’, os programas de pós-graduação cresceram de maneira muito forte.

Nesse momento, há um negacionismo da ciência como valor e, como decorrência, um declínio muito forte no financiamento.

O Governo Federal tem uma atitude bastante deletéria em relação ao sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação que resiste, porque ele é constituído por um corpo de instituições que são reconhecidas pela sociedade, que são as universidades públicas e os institutos de pesquisa públicos. Instituições particulares e privadas também importantes, mas essas não têm uma relação mais direta com o Governo Federal, apesar de dependerem também.

E como fica, então o desenvolvimento das pesquisas científicas e tecnológicas sem o aporte necessário do Governo Federal?

- Os valores que vêm para a Paraíba não vêm para o governo. O forte é para as universidades públicas. Nós temos convênios que articulam Governo Federal e Governo Estadual, mas isso no âmbito da Fundação de Apoio à Pesquisa, que são programas de desenvolvimento científico regional, programas de apoios tecnológicos, de laboratório. Isto estaria no âmbito da Fundação. Sempre vem alguma coisa e o Governo do Estado da Paraíba entra com uma contrapartida, mas não há ciência e desenvolvimento científico e tecnológico sem dinheiro público em lugar nenhum do mundo. Qualquer coisa que redundou em inovação tecnológica teve um forte aporte de recurso público. E é assim mesmo porque para quem investe em ciência, o lucro é grande, o benefício para a humanidade é grande, mas o risco é alto. O sistema capitalista não corre riscos desnecessários. Então, estamos vivendo um momento de declínio do financiamento. O Governo do Estado tem recurso para dar continuidade aos projetos. Inclusive, estamos tratando da organização da Lei Orçamentária e procurando alocar recursos para manter os programas que já temos em desenvolvimento e avançarmos em alguns outros. O Governo do Estado tem compromisso com isso.

A quais novas tecnologias a Paraíba terá acesso nos próximos meses ou anos?

- A política de ciência, tecnologia e inovação é uma política que aplica, vislumbrando serviços e produtos, mas ela não aplica em curto prazo. Por exemplo, os R$ 2 milhões que aplicamos para o combate à pandemia. Dentro dos projetos, há dois para construção de ventiladores pulmonares. Nós temos dois grupos na Paraíba, um na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), que está trabalhando com o objetivo de desenvolver um ventilador pulmonar. Então, podemos dizer que, no prazo de um ano, um ano e meio, a Paraíba vai dispor de um grupo capacitado a produzir.

E como se dará a produção?

- Temos um grupo na UEPB e outro no Departamento de Química da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) trabalhando na mesma direção. Há grupos de pesquisa patrocinados por esse edital que estão trabalhando em modelos de difusão da doença, do vírus, fazendo as estatísticas. Inclusive, um dos programas desenvolvidos tem sido usado pelo Comitê Científico do Consórcio Nordeste. Isso é uma novidade made in Paraíba e sendo utilizado pela Paraíba, e apoiado pelo governo. Há grupos que estão trabalhando no desenvolvimento de testes apoiados pelo governo, mas é complicado dizer quando estarão disponíveis. Trabalho que envolve pesquisa de campo, laboratório, produção, construção do processo de um produto demanda tempo. Então, o que podemos dizer é que o governo está atento e apostando, apoiando financeiramente, e há esperança nos resultados
.
Em que medida elementos de desenvolvimento científico e tecnológico produzidos na Paraíba têm aumentado o Produto Interno Bruto (PIB)?

- Os polos que temos hoje, o Parque Tecnológico de Campina Grande, por exemplo, vislumbrando como tecnologia da informação, representa um aspecto importante na construção do PIB paraibano e, mais do que isso, digamos assim, num ambiente atrativo. Por exemplo, quando temos uma usina de energia solar se instalando na Paraíba, em Coremas, uma iniciativa privada, ela vem para cá porque o ambiente paraibano de ciência, tecnologia e inovação é atraente. Quando temos a possibilidade da construção de um polo de tecidos e confecções, as empresas vêm porque a Paraíba, do ponto de vista de pessoal, de capacitação, é um polo atraente. Essa capacitação foi uma construção de uma política pública que durou 30 anos ou mais. O processo de construção do programa, de forma sistemática, o marco que estabelece é de 50 anos com a criação, por exemplo, do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Se nós temos hoje esse potencial, é porque começamos em 1951. Havia necessidade do financiamento não só como solução de continuidade, que é o que ocorre nesse momento, e isso desestimula. Temos doutores sendo formados e não há possibilidade de trabalho para estes profissionais de altíssimo nível. E o que vai acontecer? Esse povo vai embora. Agora, quando criamos um ambiente de industrialização, fixa pessoal, e temos a ciência e a tecnologia contribuindo para superar as desigualdades.

Existem outros projetos nessa mesma linha de popularização da ciência?

- Temos projetos nessa direção. Por exemplo, o dia de observar as estrelas. Com um telescópio simples, numa praça, num bairro, as pessoas vão lá, ficam olhando, tem um instrutor que fala. É assim que se faz essa popularização. No nosso âmbito, podemos procurar apoiar a realização de feira de ciências nas escolas. Existe, todo ano, a Semana Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que é coordenada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, tem patrocínio de governos, da sociedade científica e tem exatamente essa função. Esse ano, por conta da necessidade de isolamento, não houve eventos presenciais, mas ela está acontecendo agora no mês de outubro, com palestras, lives na página da SBPC.

O que é o Marco Legal da Ciência e Tecnologia? O que ele representa?

É natural que toda atividade, quando é desenvolvida de forma sistemática pela sociedade e pelo governo, necessite de regulamentações. O que havia antes do Marco Legal? Uma estrutura formal e legal, entretanto com algumas coisas desarticuladas. O que ocorre no processo de construção do Marco Legal? Ele é construído a muitas mãos das instituições que constituem o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. O Marco Legal qualifica o que seria esse sistema e as suas possibilidades de ações junto da sociedade.

Que situações podem exemplificar isso?

Por exemplo, o Marco Legal permite, o que não era permitido antes, que as universidades públicas se articulem de forma mais sistemática e legal com a iniciativa privada. Vislumbramos isso como algo positivo. Um laboratório que antes, no âmbito da universidade, era só um laboratório de pesquisa, pode ser um laboratório de produção e comercializar, criar patente, colocar no mercado. Um pesquisador, mesmo estando num ambiente de serviço público, está autorizado a se articular com a iniciativa privada. E não é só isso, regula vários aspectos da produção científica, notadamente na produção de bens e serviços oriundos de um projeto inovador em ciência e tecnologia. Com um detalhe, os estados também estão se ajustando a este Marco Legal, criando um Marco Legal estadual. O nosso está em vias de ser encaminhado para a Assembleia. Na Paraíba, foi construída a várias mãos uma proposta que será encaminhada à AL, e a Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia está cuidando disto.