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MEIO AMBIENTE
Plano de manejo da Pedra da Boca terá licitação este mês
Renato Félix
Bastou o toque de Midas de Juliette Freire. A ex-BBB e agora cantora esteve na Pedra da Boca pouco antes do confinamento do programa. Meses depois, já famosa, vídeos e fotos de sua visita ao local foram divulgados e a procura turística da atração que fica no município de Araruna (a 165km de João Pessoa e na divisa com o Rio Grande do Norte) cresceu a olhos vistos. Mais gente circulando implica em mais trabalho e consequentemente mais dinheiro para quem é do local, mas também no risco de maior degradação ambiental. Por isso, a necessidade de um plano de manejo, cujo projeto de licitação deve sair até o fim do mês e combina esforços da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema) e da Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia (Sect), órgãos do Governo Estadual.
“Essa procura já vinha crescendo”, afirma Ricardo Câmara, que é sócio de uma agência de turismo local e também presidente do Fórum de Turismo do Curimataú-Seridó. “Com a pandemia, as pessoas começaram a procurar esses espaços de natureza, abertos. Mas Juliette deu um grande empurrão”.
Ele conta que isso é ótimo, mas também preocupante e expôs a necessidade de um ordenamento da atividade turística do Parque Estadual da Pedra da Boca, criado em 2000 e que possui 157,25 hectares. “Demanda o plano de manejo, uma gestão mais firme no controle”.
Uma reunião foi realizada em Araruna na quarta-feira passada para dar novos andamentos ao tema. “Criamos um grupo de trabalho para fazer um plano emergencial de turismo”, conta Maria Christina Vasconcelos, coordenadora de estudos ambientais da Sudema. “O plano de manejo é um dispositivo ambiental que vai fazer um diagnóstico ambiental”. A partir disso, ela conta, será feito um zoneamento na área – cada zona com regras que atendem a suas peculiaridades.
Maria Christina explica que, a partir da licitação, será contratada uma empresa que vai cuidar da elaboração e da editoração do plano. Além de dados já existentes, ela vai também levantar novos dados primários. É preciso saber, por exemplo, quantas pessoas cabem em cada trilha, cadastrar os guias e estimar com quantas pessoas cada um pode subir com controle e segurança.
O plano também vai incluir ações de educação ambiental. “Vamos construir uma sede, um centro de atendimento aos estudantes, pesquisadores e turistas”, conta ela. O projeto arquitetônico já está sendo feito. Esta sede vai incluir também um museu, auditório e laboratório.
Educação e pesquisa são pilares da região
A Secretaria de Ciência e Tecnologia sugeriu elementos para compor essa sede e relacioná-la ainda mais à vocação para educação e pesquisa que a região possui e que foi o pontapé inicial para o turismo na Pedra da Boca. Como o laboratório, o auditório e o museu. “Pensamos em um museu de rochas. E uma sala de exposição com materiais, fotos, painéis sobre a vegetação e os animais”, diz Simone Porfírio, consultora ambiental da Sect.
Ela mesma, enquanto professora, levou muitos estudantes até o Parque Estadual. “É um lugar que sempre teve muita aula prática”, lembra. “Eu, como professora, todo semestre levava turmas lá”. Não só de alunos, mas também de professores – às vezes de disciplinas insuspeitas, como Língua Portuguesa ou Química.
“Isso é maravilhoso para os alunos”, continua. “O aluno fica mais receptivo. Eu posso dar aula de qualquer coisa lá que os alunos vão estar mais atentos, vão estar mais abertos a receber a informação”.
O começo de tudo: duas barracas
A educação começou tudo por ali em 1988, quando Seu Tico permitiu que dois professores e dois alunos do hoje Unipê montassem acampamento em sua propriedade, que ficava (e até hoje fica) ao pé da Pedra da Boca. Francisco Cardoso de Oliveira, 64 anos, nasceu, cresceu e vive até hoje no local que herdou do pai.
Quando os pesquisadores o conheceram, Seu Tico era um caçador, que se embrenhava nos matos desde criança para alimentar a família. Desde então abandonou a caça e se tornou um condutor local, transformou sua casa em um restaurante e vive com a esposa, Maria Nazaré, e com os quatro filhos que, ou trabalham no restaurante, ou também são condutores locais, inclusive com cursos pelo Sebrae – caso de Maciel, 33 anos, e Camila, 20. “Camila começou com 7 anos, entende da vegetação, das caminhadas, segurança e trabalha com a parte de rapel”, conta.
Ele lembra aquela primeira noite, em que os pesquisadores procuraram abrigo em uma propriedade rica, vizinha à sua, e receberam um não como resposta. “Eu estava lá e disse: ‘Moço, esse terreninho ali é meu. Se quiser colocar as barracas lá, pode botar’”, recorda. As duas barracas foram montadas e na manhã seguinte, ele guiou os professores e alunos morro acima.
No retorno, veio a proposta para retornarem depois, com mais estudantes: 20 ou 30. “Eu disse que não tinha nada. Mas eles disseram: ‘Seu Tico, não tem estrutura melhor do que essa sua. O senhor foi muito hospitaleiro com a gente’”, lembra. Nos primeiros anos, o cardápio que servia ao público era basicamente rubacão no almoço e macarronada à noite. “Hoje conseguimos atender 100, 200 pessoas”, afirma.
Dos pesquisadores vieram os praticantes de esportes como a escalada e, depois visitantes até do exterior. “A maioria do pessoal hoje vem para visitar”, diz. “Eles fazem as caminhadas das grutas, a maioria está subindo a pé até a boca. Tem gente que só tira foto embaixo e acabou”.
Filas, especulação imobiliária, diárias de R$ 850
Autoridades e moradores se preocupam com um aumento desordenado da visitação, que está está gerando, segundo Ricardo Câmara, ate mesmo especulação imobiliária. “Terrenos estão custando bem mais. E você encontra diárias de hotel custando R$ 850 para duas pessoas”, conta. “Mas se tem esse valor, é porque tem quem pague”.
Outro reflexo é a demora em filas. “Tem empresa que diz que demorava 40 minutos para chegar a algum lugar e hoje esse tempo é de 1h30”, conta, lembrando que longas filas sempre geram irritação em qualquer turista. “Por isso a questão do plano de manejo é tão importante. O plano vai dizer o número máximo de pessoas que cada atração pode receber por dia”.
Esse levantamento vai, para começar, precisar dados que ainda não estão contabilizados. Seu Tico estima que a visitação aumentou de cerca de 70 pessoas ao dia, nos finais de semana, para cerca de 150. Mas não existem números precisos. Conhecer melhor essa movimentação é o primeiro passo para otimizar a gestão.