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Meio Ambiente

Impacto das energias “limpas” preocupa os pesquisadores

publicado: 30/10/2020 18h42, última modificação: 03/11/2020 10h25
Modelo centralizado de produção é questionado por especialistas e organizações não governamentais
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Mano de Carvalho
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Divulgação CERSA - Instalação Fotovoltaica
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Divulgação CERSA - Instalação Fotovoltaica em Santa Luzia
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 Márcia Dementshuk

 A Região Nordeste brasileira tem grande potencial para a produção de energia de fontes renováveis, de acordo com o documentos oficiais. Na Paraíba, assim como em outros estados nordestinos, o sol e os ventos são mais constantes do que em outras regiões, o que atrai para o território grandes empreendimentos do setor. As energias renováveis irradiam sustentabilidade, mas o modelo centralizado de produção vem sendo questionado por pesquisadores e organizações não governamentais.

A paisagem no sertão paraibano estará diferente em pouco tempo quando os 632 aerogeradores estiverem todos erguidos - alguns deles, já operando, conferem a imponência da tecnologia sobre a paisagem do semiárido. Ao invés da mata branca, galhos que brotam folhas ao primeiro sinal de umidade, extensões de placas fotovoltaicas estarão absorvendo o sol, mas não o CO2. É um paradoxo, desmatar para ter energia que não se transforme em gás carbônico ao ser usada. Assim fazem as energias cujas fontes são o petróleo, o gás natural, o carvão mineral e o urânio. Por outro lado, energias geradas pelos ventos, sol, biomassa, hidráulica, oceânica, de fato não contribuem para o efeito estufa, mas sim para a produção energética de baixo carbono; contudo, os impactos são locais, no meio ambiente, na fauna; nas comunidades, entre as pessoas.

De acordo com a pesquisadora Doutora Ricélia Maria Marinho Sales da Universidade Federal de Campina Grande, uma das coordenadoras do Grupo de Pesquisa em Sistemas de Indicadores em Sustentabilidade Urbana, Rural e Ambiental, não se discutia energias renováveis nos campi das universidades no interior, a não ser os procedimentos técnicos, na engenharia. O uso energias renováveis passou a ser incentivado pelo governo federal a partir da implementação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, o Proinfa, de 2002, com o “objetivo de aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos tendo como base fontes ‘limpas’ para a geração de energia”.

O conceito de “limpas” naquela época era apenas relacionado com a produção de carbono; hoje considera-se produção limpa aquela que mantém as condições não poluentes, ausentes de impactos, desde a etapa inicial de produção, o deslocamento, a instalação, o que não se aplica às energias renováveis, conforme os pesquisadores.

A partir do Proinfa deu-se início no Brasil a uma atuação diferente para a comercialização da energia, incentivando a instalação de usinas eólicas. O desenvolvimento teve como base o Atlas Potencial Eólico Brasileiro, lançado em 2001. O primeiro aerogerador eólico na Paraíba começou a operar em 2007, em Mataraca, no litoral.

“Foi então que iniciamos pesquisas nessa área nas universidades e, nessa mesma época, foi formado o Comitê de Energias Renováveis do Semiárido, uma organização voltada para disseminar o conhecimento dessas tecnologias para a população do Semiárido”, explica Ricélia Sales.

Em âmbito políticas públicas, o Governo da Paraíba instituiu a Política Estadual de Incentivo à Geração e Aproveitamento da Energia Solar e Eólica no Estado da Paraíba em 2016 (Lei Nº 10.720), para fomentar a instalação de empreendimentos mas, também, incentivar empreendimentos residenciais, comunitários, ...“Prevenir ou mitigar impactos negativos ao meio ambiente;  fomentar programas de capacitação e formação de recursos humanos”, entre outros artigos que consideram o desenvolvimento regional.

 

Moradores próximos a parques eólicos relatam problemas

O potencial para a produção de energia de fontes renováveis na região Nordeste do Brasil supera até mesmo os países ibéricos em  termos  de  irradiação  solar  média  mensal, por exemplo. Os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará receberam dezenas de parques com aerogeradores, não só no litoral como também no interior.

Da inserção desses equipamentos próximos às comunidades de agricultores e de pescadores começou a surgir relatos de problemas que os moradores passaram a enfrentar. A pesquisadora Zoraide Souza Pessoa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, coordenou uma pesquisa aplicada durante quatro anos e publicou recentemente os resultados registrando os impactos socioambientais das usinas eólicas na vida das comunidades.

“É construída a ideia de que esses empreendimentos podem provocar uma dinamização nas áreas onde são construídas: desenvolvimento econômico, maior rendimento, melhorias na qualidade de vida. São expectativas que não chegam a se concretizar”, revela Zoraide Pessoa em palestra durante a 72ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência realizada no início deste mês.

São muitas as queixas dos moradores com relação à problemas na audição, por causa do barulho constante dos aerogeradores operando; dor de cabeça, insônia, depressão, aumento do uso controlado de remédio, aumento da solicitação de exames de alta resolução. Aumento do número de pessoas com doenças sexualmente transmissíveis,  adolescentes grávidas, crianças que nascem com HIV - São os filhos dos ventos, diz Zoraide Pessoa.

A promessa de melhoria na renda fica por conta dos seis meses, no máximo, de trabalho pesado, mal remunerado e desqualificado, contratado pelas empresas durante a instalação. Findo o trabalho, volta-se para o desemprego. À essas alturas, a mulher, que contava com o apoio federal do Bolsa Família, perdeu o benefício porque a renda da família aumentou (temporariamente).

As pessoas não circulam mais livremente para visitar umas às outras, as distâncias aumentaram; nem os animais: perderam território, agora exclusivo do aerogerador, de onde ninguém pode se aproximar, por segurança.

“Não há oposição com relação à instalação dos empreendimentos - fala Zoraide Pessoa - mas que a chegada seja construída de forma participativa com as comunidades, respeitando os limites e alcances das comunidades. A comunidade deve participar da tomada de decisões com relação à temática; estar envolvida da discussão, no planejamento e na gestão democrática dos recursos energéticos, no emprego dos impostos arrecadados pelos municípios”.

 

Na Paraíba, comunidades estão desinformadas

Ricélia Sales apresentou pesquisas realizadas na Paraíba nas quais moradores de Junco do Seridó e de Santa Luzia, onde há aerogeradores operando há cerca de dois anos. “As pessoas não têm noção dos danos ambientais que os aerogeradores estão causando. As pessoas não sabem do que se trata, tem a ilusão de que um dia vão conectar um fio até à casa delas e elas terão energia de graça. No Rio Grande do Norte há relatos de famílias que vivem com portas e janelas fechadas por não suportarem o barulho.”

Da mesma forma, as queixas ecoam para Vanúbia Martins, agente da Comissão Pastoral da Terra em Campina Grande: “A energia renovável tem um potencial muito grande de produção, mas o modo como está sendo instalado está provocando danos sociais e ambientais. As empresas alugam, por meio de contratos com os gestores públicos, os poços de água para usar na construção; mas aqueles poços são para abastecer a comunidade e dependem das chuvas sazonais que na maioria das vezes são escassas”, argumenta Vanúbia. “Na maioria dos casos, os agricultores não têm as vias dos contratos de arrendamento das terras para uso da empresa de energia e, por falta de conhecimento, não podem nem argumentar, agora que estão sentindo os danos”. Os proprietários que tiveram terras arrendadas ganham entre R$1.500,00 e R$ 3 mil, dependendo da geração de energia no mês. “É um dinheiro necessário para eles”, admite Vanúbia, “mas com custos permanentes”.

O professor Gesinaldo Ataíde Cândido e a doutoranda Amanda Paula Aguiar Barbosa fizeram uma avaliação da sustentabilidade energética usando indicadores ambientais, indicadores econômicos, sociais e políticos institucionais.

Foi feito um levantamento de dados de 2004 e de 2014 em vários municípios e chegaram a uma constatação. Em 2014, os municípios de Mataraca e Junco do Seridó já haviam recebido aerogeradores. Eles queriam saber se, ao receber esses empreendimentos houve um aumento da sustentabilidade ambiental, social, econômica nesses municípios, levando em consideração o bem-estar ecossistêmico e o bem-estar humano. Em 2004, Junco e Mataraca estavam em uma situação mediana. Em 2014, passaram para a situação e pobreza.

A questão entre os pesquisadores mudou: “Por que com a chegada de um empreendimento desses que gera tanta energia, dinheiro, não há melhoria do bem-estar humano?

“Não há desaceleração da pressão desses investidores sobre a natureza. A lógica da economia está sempre em primeiro, norteando decisões das empresas centralizadoras de produção”, alerta Ricélia Sales.

 

Produção de energia pode ser descentralizada

Divulgação CERSA - Instalação Fotovoltaica em Santa Luzia

O Comitê de Energia Renovável do Semiárido compartilha a técnica de instalação de placas fotovoltaicas

De acordo com estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE/MME) “Potencial de Aproveitamento  Energético”:  “Todos os estados teriam condições de suprir seu consumo elétrico residencial de forma integral com o advento da energia fotovoltaica. (...) Considerando todo o país, o potencial é 2,3 vezes maior que o consumo” (Nota Técnica PR 04/18). Sem a necessidade de mudar a estrutura da edificação das casas.

“ A colonização da nossa mente ainda nos coloca muito pequenos com relação ao potencial que nós temos. Parece que as pessoas de fora, quando chegam, conseguem colocar uma venda [na nossa população] e a nova colonização adentrar com uma força no nosso território que destrói o nosso povo. Quem é candidato a representar o povo precisa abrir olhos, ouvidos, todos os sentidos e constatar o que está exposto”, salienta Ricélia Sales.

Em agosto deste ano, o Comitê de Energia Renovável do Semiárido promoveu projetos de instalação com o minicurso de capacitação, aplicação de técnicas e manutenção de equipamentos dos sistemas de energia solar fotovoltaica em locais de acesso comunitário e em assentamentos em Santa Luzia,  São Mamede, em Malta, Condado, Patos, Junco do Seridó e Princesa Isabel.

Júlio César Nóbrega Gadelha, co-fundador do comitê, informou que essa ação teve o apoio do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, Cáritas Brasileira, Frente Por Uma Nova Política Energética para o Brasil, Misereor e da Ação Social Diocesana de Patos.

“Essa energia vai ajudar na irrigação das lavouras dessas famílias de agricultores e nas outras atividades que eles desenvolvem comunitariamente. Nós entendemos que esse tipo de autonomia é poderá trazer algum tipo de segurança para possibilitar o desenvolvimento”, justifica Júlio César.

 

Usinas Eólica (Dados: ANEEL)


No Semiárido:

13.674 aerogeradores sendo,

  • 5.353 em operação
  • 8272 em implantação
  • 49 sem informação


Na Paraíba:

632 aerogeradores sendo,

  • 45 em operação
  • 539 em implantação
  • 48 sem informação

 

Usinas Solar Fotovoltaica


No Semiárido:

1.296 parques sendo,

  • 61 em operação
  • 5 em construção
  • 212 não iniciada
  • 964 precisando de despacho do requerimento de outorga
  • 4 com pré-cadastro
  • 48 revogadas
  • 2 sem informação


Na Paraíba:

41 parques sendo,

  • 4 em operação
  • 1 em construção
  • 7 com a construção não iniciada
  • 29  em despacho de requerimento de outorga