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FÍSICA

Pesquisa procura entender competição entre espécies

publicado: 04/07/2021 00h00, última modificação: 06/07/2021 20h21
Na UFPB, simulação em computador testa as variáveis que podem alterar a biodiversidade na natureza – e como equilibrá-la
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Variações alteram presença das espécies, representadas por cores/ imagem: reprodução
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Dionísio Bazeia coordena a pesquisa/ foto: arquivo pessoal
Divulgação
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Renato Félix

 

A natureza não é linear. As relações entre as espécies são mais complexas do que um simples “o mais forte devora o mais fraco”. Para entender como diferentes variáveis alteram a presença das espécies na biodiversidade, uma pesquisa na Universidade Federal da Paraíba realiza simulações em computador, e criando cenários diferentes para traçar hipóteses sobre os resultados. O estudo é liderado por Dionísio Bazeia, doutor em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e citado como um dos 100 mil cientistas mais influentes do mundo, segundo a revista científica estadunidense Plos Biology.

“Environment driven oscillation in an off‑lattice May–Leonard model” (tradução literal: “Oscilação conduzida pelo ambiente em um modelo May-Leonard na ausência de rede”) é o título de um artigo publicado no jornal científico Scientific Reports, publicado pela Nature Research. É uma colaboração internacional envolvendo pesquisadores da UFPB (Bazeia), Universidade Estadual de Maringá (M.J.B. Ferreira e Breno F. de Oliveira), no Paraná, e o Centre of Energy Research (Attila Szolnoki), da Hungria. “Rede” ou “ausência de rede”, no caso, são duas situações distintas onde essas espécies convivem.

O projeto é financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB), através do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), financia o projeto. “Com esse financiamento, por exemplo, a gente comprou um computador bastante moderno onde as simulações são feitas”, diz Bazeia. O projeto envolve a colaboração científica de muitas pessoas em várias subáreas da física. “Eu coordeno um grupo de 42 professores do Brasil e do exterior”.

“O trabalho é em uma área multidisciplinar chamada biodiversidade. É uma interface entre física e biologia, com forte componente em simulação em computador de modelos onde grupos de espécies vivas convivem em evolução permanente”, explica o pesquisador.

O modelo May-Leonard é um sistema de equações diferenciais que modelam a competição neutra entre três espécies. Ou seja: a simulação “cria” três espécies com suas especificidades de alimentação, reprodução e movimentação, e “põe para rodar” para ver o que acontece. A biodiversidade se manterá, com as três espécies coexistindo ou vai haver um desequilíbrio e alguma delas desaparecerá?

“No modelo de May-Leonard o predador mata a presa e deixa um vazio no lugar da presa. Existe outro modelo também comum, de Lotka-Volterra, no qual o predador mata a presa e reproduz ao mesmo tempo”, conta.

“A dominância cíclica de espécies concorrentes é uma hipótese de trabalho intensamente usada para explicar a biodiversidade em certos sistemas vivos, onde o princípio de seleção evolucionária ditaria um único vencedor de outra forma”, diz a introdução do artigo. Essa dominância cíclica é uma constante em nosso mundo e é possível traçar paralelos em situações surpreendentes, mas bem do dia a dia.

O futebol, por exemplo. No Campeonato Brasileiro de 2020, o Flamengo sagrou-se o melhor dos 20 clubes. Todos jogaram contra todos duas vezes, o que, em tese, elimina qualquer contestação de que quem termina com mais pontos é o melhor. No entanto, o São Paulo venceu o Flamengo nas duas vezes em que se enfrentaram: 4 x 1 no Rio de Janeiro e 2 x 1 em São Paulo. Então, como os cariocas foram os melhores do campeonato, se os paulista foram melhores quando se enfrentaram?

Acontece que o São Paulo venceu o Flamengo, mas perdeu para outros clubes os quais os cariocas derrotaram. É cíclico, a tal dominância cíclica de espécies concorrentes. “E a magia do futebol é essa”, diz o pesquisador. “Não seria muito chato se o mais forte vencesse sempre, todo ano?”. Outra analogia fácil de ser entendida é o jogo de pedra-papel-tesoura, onde o primeiro vence o segundo, o segundo vence o terceiro, mas o terceiro vence o primeiro. Cada membro é um “predador” de outro membro e, ao mesmo tempo, uma “presa” do terceiro.

Os resultados, os modelos de comportamento obtidos a partir das variáveis que os pesquisadores foram incluindo na simulação, podem servir de pauta para outras pesquisas in loco no âmbito da biologia. “De acordo com a hipótese de seleção darwiniana, apenas o competidor mais viável deve sobreviver como resultado de um processo de seleção. Mas testemunhamos uma incrível diversidade de espécies na natureza, que implora por explicações alternativas na ecologia e em outros sistemas competitivos complexos”, pondera o artigo. “A presença de uma dominância cíclica entre os concorrentes é uma pista elegante e muito simples para resolver essa contradição”.

Assim como no exemplo metafórico do futebol, esse tipo de interação pode ser encontrados em comunidades microbianas e vegetais, recifes de corais, lagartos, salmões e mesmo em interações humanas, onde o desequilíbrio pode arruinar o ambiente. “Se no seu trabalho há aquele colega muito chato, ele pode desestabilizar todo o ambiente, não é verdade?”, pergunta Bazeia.

 

 

Cores que se “atacam”

 

No sistema, as espécies A, B e C são marcadas por cores (vermelha, azul, amarela). A predominância de uma cor sobre outra (ou o branco, que é o vazio) são o resultado visual imediato das variáveis que os pesquisadores vão alterando a cada rodada do experimento. As espécies competidoras frequentemente acabam formando espirais giratórias. “Mas como esses padrões em espiral mudam quando variamos o ambiente externo que afeta a vitalidade geral dos indivíduos?”, é a pergunta que o artigo faz em sua introdução.

A ideia é procurar saber como o controle de uma ou mais variáveis pode alterar o equilíbrio de forças em um ecossistema. O que pode ajudar até a contrabalancear uma biodiversidade desequilibrada. “Estudamos um modelo em que o estado geral do ambiente é modelado por meio de um único parâmetro que determina a capacidade de suporte local do sistema”, diz o artigo. “Dessa forma, podemos variar as condições de vida de todos os competidores de maneira uniforme e monitorar como essas mudanças influenciam o resultado evolutivo resultante”.

 

 

Pesquisador está entre os 2% mais influentes do mundo

 

Dionisio Bazeia nasceu na cidade de Neves Paulista, que fica no noroeste do estado de São Paulo (a 469 km da capital). “Filho de pais pobres, fui influenciado pelo meu irmão Basilio Bazeia, que também financiou meus estudos e custeou minha vida durante minha graduação, parte em Araraquara e parte em João Pessoa, para onde vim há muitos anos atrás”, conta.

O apoio da família foi fundamental para que seguisse na área científica, até chegar ao reconhecimento internacional. A relação da Plos Biology dos 100 mil cientistas mais influentes do mundo foi publicada em outubro de 2020 e cita, além de Bazeia, outros seis pesquisadores da UFPB.

São eles: Damião Pergentino de Souza, do Programa de Pós-graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos; Edison Roberto Cabral da Silva, do Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica; José Maria Barbosa Filho, do Programa de Pós-graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos; Knut Bakke, do Programa de Pós-graduação em Física; Maria de Fátima Agra, do Programa de Pós-graduação em Biotecnologia; e Valdir Barbosa Bezerra, do Programa de Pós-graduação em Física.

“Isso é muito importante para a Paraíba e para a UFPB”, diz Dionisio Bazeia. “Para se ter uma ideia, esses 100 mil são apenas 2% dos cientistas do mundo”. Esse reconhecimento é importante num cenário em que a ciência vem enfrentando desafios antes inimagináveis, como o negacionismo. “A gente achava que se desse mais informação para as pessoas, elas ficariam mais fortes, mais difíceis de serem enganadas”.

Para ele, o celular acabou mostrando o contrário: um número grande de pessoas se mostrou vulnerável a fake news e teorias da conspiração, “escolhendo” no que acreditar, em vez de confiar em pesquisas sérias e cuidadosas. “Tem essa contrainformação”, diz Bazeia. “Fruto da desinformação e da falta de educação, no sentido da educação formal. Se você tem uma boa educação no Ensino Fundamental e Médio, é mais difícil de acreditar em fake news”.

Para ele, publicações como a lista da Plos Biology e outras de divulgação científica, que jogam luz sobre a importância dos cientistas e pesquisadores são fundamentais, até para que o público conheça melhor a ciência que se faz próximo a ele. “A lista mostra que na universidade a gente faz pesquisa de qualidade internacional”.