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O mistério do fardo de borracha nas praias da Paraíba

publicado: 20/03/2022 00h00, última modificação: 31/03/2022 13h32
Aparecimento no litoral paraibano em 2022 pode ter origem em naufrágio da II Guerra Mundial
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Fardo encontrado em praia pessoense/ foto: Acervo Museu EXEA
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George Henrique, coordenador de Pesquisa e Acervo Museológico do Museu Marítimo EXEA/ foto: Acervo Museu EXEA
Divulgação
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Márcia Dementshuk

 

Domingo passado, o Coordenador de Pesquisa e Acervo Museológico do Museu Marítimo EXEA, George Henrique, percorreu as praias de Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e, ao chegar na praia do Jardim Oceania, conhecida como Bessa, encontrou o que buscava: um fardo de borracha, como os que começaram a aparecer na costa nordestina em 2018 e 2019; novamente em 2021; e atualmente.

Pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar da Universidade do Ceará (Labomar) descobriram que os fardos encontrados entre 2018 e 2019 haviam sido soltados de um navio alemão, o SS Rio Grande, naufragado pelos americanos ao largo da costa do Brasil em janeiro de 1944. Os fardos apresentavam etiqueta identificando produto da “Indochina Francesa”, atual Vietnã, local de onde a carga seria transportada até a Europa a fim de suprir o esforço de guerra alemão.

Mas, em 2021, com o novo aparecimento de fardos de borracha entre Alagoas e Bahia, dois detalhes intrigaram os pesquisadores. Um foi a quantidade de fardos encontrados, mais de 200. O outro, o fato de essas cargas apresentarem inscrições gravadas em ideograma japonês, o kanji.

O Labomar, em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL/Penedo), descobriu que durante a II Guerra Mundial, um navio alemão, o MV Weserland, havia saído do Japão em direção à Europa carregando fardos de borracha e estanho. O MV Weserland “foi naufragado pelo destróier USS Somers, da Marinha americana, em janeiro de 1944, poucos dias após o navio SS Rio Grande”.

Com mais investigações, os pesquisadores “descobriram que houve um salto no preço do estanho no mercado internacional no primeiro semestre de 2021, resultando em um aumento de quase três vezes quando comparado aos preços praticados em 2020”, conforme noticiado no site do Labomar.

Havia a suspeita, portanto, de que “piratas poderiam ter mexido no naufrágio (a mais de 5 mil metros de profundidade) na tentativa de recuperar essa carga, fato que foi confirmado pelo pesquisador britânico que atua nessa área, David Mearns, em contato com os pesquisadores do Labomar”.

O professor Dr. Luis Ernesto Arruda Bezerra, do Labomar, afirmou que os fardos que apareceram em 2018 na costa nordestina são do navio MV Rio Grande. Os encontrados entre Alagoas e Bahia, em 2021, provavelmente vieram do MV Weserland.

“Esse novo aparecimento na Paraíba (em 2022) pode ser dos fardos daquela época, que não foram retirados das praias e são levados de uma praia a outra pelas correntes e marés”, explica o professor. “Mas, se for em grande quantidade, pode ser de outro navio. É preciso pesquisar”, salientou o professor.

Apesar das buscas de George Henrique nas praias paraibanas por mais vestígios, ainda não há respostas para essa história. Mas, em pesquisas, o historiador George descobriu como o Brasil estava envolvido no naufrágio do MV Weserland, na Batalha do Atlântico (1939-1945).

 

 

Navio alemão foi atingido a partir de bases militares dos Estados Unidos no Brasil

 

George Henrique

 

No final de 1943, com escassos recursos, sem acesso a fontes de petróleo e suas indústrias sendo bombardeadas, aos alemães restou fazer uso de tentativas para obter recursos de onde quer que viessem e da forma que fosse preciso. A “Kriegsmarine”, a Marinha de Guerra alemã, entraria com os rompedores de bloqueio.

Chamados em inglês pelo termo “blockade runners”, os rompedores de bloqueio consistiam em navios mercantes (armados ou não) que carregavam suprimentos do sudeste asiático à Alemanha por via marítima, o único caminho de onde se poderiam obtê-los.

Os japoneses controlavam um grande Império no Extremo Oriente. Entre suas possessões, estava o sudeste asiático, fontes abundantes de petróleo e outros recursos como a borracha, itens fundamentais para fazer de quase tudo: desde uniformes militares, veículos de combate, tanques e, é claro, o precioso combustível tão necessário aos famosos “Panzers” (os tanques de guerra da Alemanha). Até 1945, estes locais ficariam de posse dos japoneses, sendo, portanto, aproveitados pelos alemães.

E é aqui onde o MV Weserland entra nesta História.

O Weserland foi construído na Alemanha em 1922, pelos estaleiros da Blohm & Voss em Hamburgo. Era um cargueiro de 6.528 toneladas e que fazia 11 nós de velocidade (ou 20 km/h). No começo, ele foi comissionado à empresa Hamburg Amerikanische Packetfahrt A.G (HAPAG), com sede também em Hamburgo. Mas a partir da II Guerra Mundial, ele e outros navios mercantes de bandeira alemã tornaram-se rompedores de bloqueio.

Em sua última e arriscada operação, o Weserland, junto ao Burgenland e o Rio Grande, partiram de suas bases japonesas no oriente rumo ao Atlântico. Era dezembro de 1943. A carga do Weserland, segundo depoimentos extraídos de seus tripulantes no dia de seu afundamento, consistia de: borracha, estanho e tungstênio. Mas as águas do Atlântico estavam vigiadas pelos Aliados.

No Nordeste brasileiro, como base aérea e naval para os Estados Unidos, estava estabelecida a base da 4ª Frota (Base Fox) em Recife (PE). Além dela, bases aéreas em Recife, Parnamirim (RN) e Fortaleza (CE) também estavam sob tutela dos Estados Unidos, de onde aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) e da USAAF (Força Aérea dos EUA) tinham aviões patrulha e de bombardeiros, prontos para interceptar U-Boats (submarinos alemães) e navios de superfície. Somados a eles, as ilhas de Santa Helena e Ascenção (Widewake Field) também foram ocupadas e pistas de pouso construídas.

Ainda assim, os blockade runners alemães seguiram com sua missão "quase suicida". Os relatórios da Marinha dos EUA sugerem que a presença dos navios alemães na área já era conhecida de antemão devido a interceptações de mensagens. Bastou o conhecimento sobre sua presença na área de operações para que as bases aéreas ficassem em alerta máximo. Segundo consta, imediatamente as bases aéreas nas Ilhas Ascenção e em Parnamirim (RN) iniciaram suas patrulhas. Seis aeronaves e nove tripulações operavam a partir da ilha, enquanto 5 aeronaves e 6 tripulações trabalhariam a partir do Rio Grande do Norte.

 Uma aeronave dos EUA baseada nas Ilhas Ascenção (esquadrão VB-107) avistou primeiro avistou o Weserland, em 1º de janeiro de 1944. Ele navegava na posição 09° 35' S, 23° 45' W, navegando ao curso 060° a uma velocidade de 10 nós.

Sobrevoando mais próximo, conseguiu ver claramente o nome na ponte do navio: Glenbank. Mas Glenbanck era o nome-disfarce. Não convencido, o avião norteamericano sinalizou mais vezes, porém, o navio desta vez falhou em sinalizar de volta com algum código que o autenticasse como tal. Estava claro que era um navio inimigo. O avião abriu fogo, mas recebeu como resposta salvas de artilharia anti-aérea. O avião foi atingido três vezes, tendo uma de suas turbinas sido danificada e um membro de sua tripulação ferido.

Portanto, o Weserland carregava armamentos em seu convés: um canhão naval de 10,5 cm e armas de 4x2 cm.

Os americanos pediram reforços. Outra aeronave foi enviada das ilhas Ascenção para continuar a perseguição. Desta vez, com mais cautela, o avião americano ficou vigiando a distância, informando sua posição à frota americana. De Recife, imediatamente, foi despachado o destroyer USS Somers, que fazia parte da 4ª frota.

No dia 03 de janeiro de 1944, com apoio de outros aviões, o Somers, movendo-se com mais velocidade, alcançou o Weserland e o atingiu. O Weserland afundou às  3 horas da madrugada, na posição Latitude 14° 55' S, Longitude 21° 39' W. Foram resgatados 134 tripulantes alemães, todos estavam trajando uniformes da Kriegsmarine. Os outros dois rompedores de bloqueio alemães, o Rio Grande e o Burgenland, também seriam afundados pela Marinha dos Estados Unidos.