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Negacionimo é desafio adicional para enfrentar mudanças climáticas
Ricardo Galvão foi o convidado de encerramento do ciclo de lives/ foto: divulgação
Renato Félix
Foi encerrado esta semana o ciclo de lives sobre mudanças climáticas “A Consciência pelo Conhecimento”, promovido pelo Governo do Estado, através da Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia. Seis especialistas no assunto, de renome nacional e internacional, conversaram com os paraibanos sobre suas ideias e sobre dados a respeito desse problema que cada vez mais atinge os habitantes do planeta. As causas e as soluções estiveram em debate em transmissões ao vivo no canal no YouTube da Secretaria de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia e resultaram em vídeos que continuam disponíveis para serem assistidos a qualquer hora (confira o quadro abaixo com os links). Ricardo Galvão, do Instituto de Física da USP e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi o convidado da live que fechou a série, na última quarta.
Na introdução que apresentou Ricardo Galvão aos espectadores, o professor Rubens Freire, secretário executivo de Ciência e Tecnologia, destacou a importância da carreira do convidado e também o fato que rendeu a ele grande notoriedade em 2019: à frente do Inpe se tornou um grande porta-voz em defesa da ciência e contra o negacionismo, quando o Governo Federal tentou desqualificar os dados apresentados pelo órgão mostrando a situação grave do desmatamento no país. Galvão foi exonerado do Inpe, mas terminou 2019 apontado como um dos 10 cientistas de destaque no ano pela revista “Nature”.
Galvão teve como tema “o Brasil e o desenvolvimento sustentável no atual cenário de aquecimento global” e abriu sua fala mostrando a opinião alertando que mesmo no meio científico há quem resolva questionar o aquecimento global. Mostrou, então, os negacionistas, como Luiz Carlos Molion.
“Eu coloco essa citação do Molion porque ela é extremamente preocupante. Ela diz que ‘as informações sobre mudanças climáticas não possuem base física sólida’”, alerta Galvão. “Como cientistas, quando vemos algumas acusações como essas, a primeira coisa é não nos irritarmos. É sabermos dar as respostas corretas”.
Para ele é preciso tomar muito cuidado hoje em dia com essa pseudociência e o negacionismo científico, sugerindo um artigo do sueco Sven Hansson, publicado em 2017. “Ele mostra que o negacionismo científico que nós temos hoje em dia é diferente do obscurantismo do passado, baseado em posições religiosas fundamentalistas”, conta. “O que acontece hoje em dia é que esse negacionismo científico é uma pseudociência intencional, feita por grupos que exploram o que chamamos de falseabilidade da ciência para atacar resultados e modelos científicos que vão contra seus interesses econômicos, ideologias políticas e a situação confortável de grupos poderosos”.
Hansson fala do negacionanismo com relação à teoria da relatividade, à teoria da evolução e às mudanças climáticas. Em seguida, recomendou o livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano Da Empoli, ao abordar o problema das redes sociais, que não permitem respostas aprofundadas e podem se tornar novamente um problema quanto a fake news nas eleições deste ano.
Então, reuniu a opinião de diversos cientistas e revistas conceituados no mundo para mostrar que a ameaça é real e deve ser levada muito a sério por governos e pela sociedade. E com gráficos que mostram que as mudanças climáticas são, sim, atestadas pela física. Galvão também mostrou as conclusões do último relatório do IPCC e seus alertas, tais como o de que limitar o aumento da temperatura de 1,5º C até 2050 é um objetivo quase inatingível e de que as emissões de gases causadores do aquecimento global continuam aumentando. E que apenas 24 países estão diminuindo suas emissões e todos os países deveriam criar planos de ação mais ambiciosos nesse sentido.
“É óbvio que o aquecimento global não vai ser revertido ou controlado se não houver uma integração mundial muito bem feita nesse objetivo”, afirma. Ele também apontou que o custo estimado para fazer mudanças na agricultura para limitar emissões seria de US$ 400 bilhões – o gasto militar no mundo em 2021 foi de US$ 2 trilhões (62% disso pelos Estados Unidos).
No Brasil, em particular, o desmatamento da Amazônia é um problema cada vez mais grave. O desmatamento anual atingiu seu mínimo em 2012 e veio crescendo desde então, com alta cada vez maior no governo Bolsonaro. “O governo criou agora uma câmara para qualificar os dados de desmatamento, excluindo o Inpe, o Ibama e o ICM-Bio”, diz Galvão. “Acho que fizeram essa câmara porque certamente estão esperando que esse desmatamento seja maior e vão querer segurar os dados do Inpe para depois das eleições, provavelmente”.
Então o que fazer? Ações para forte redução do desmatamento das florestas, além de reflorestamento e exploração sustentável. Transição energética, reduzindo a utilização de combustíveis fósseis, em favor de fontes sustentáveis. Contínuo aperfeiçoamento da agricultura, em busca da total sustentabilidade. E engajamento da iniciativa privada e ampliação das ações articuladoras do Estado.
Os cientistas já apresentaram planos elaborados por cientistas para embasar os governos no objetivo de avanços na ciência no Brasil, em relação ao desenvolvimento sustentável da Amazônia e outros temas – ignorados. “Embora Dilma e Temer não tenham feito muito com relação ao desmatamento da Amazônia, eles não tiveram uma ação intencional de desmontar a política ambiental brasileira, como teve esse governo”, afirma.
Educação precisa ser mais voltada à sensibilização
Uma semana antes, o professor Carlos Magno Lima, do IFRN e doutor em ciências climáticas, falou sobre a educação como meio de espalhar a consciência em torno das mudanças climáticas. Para ele, se a gente vai examinar porque a degradação do meio ambiente se tornou um problema tão sério, é porque não há uma educação voltada para sensibilizar a respeito desse assunto. “A gente percebe que nossa educação está sendo voltada para o consumo, para a competição...”, diz. “Para reduzir esse processo, a gente precisa de uma educação para que as pessoas tomem decisões sustentáveis a nível micro e a nível macrossocial”.
Micro atitudes são o uso menor de carros (dando preferência a motos ou bicicletas), economia pessoal de luz e água, compartilhamento de materiais, plantio de árvores e até comer menos carne. “Mas o que vai mudar a história são as atitudes macro. E essas passam por decisões políticas”, lembra. “E aqui é que entra o cidadão exercendo seu poder de voto escolhendo aquelas pessoas que têm inclinações para a pauta climática e ambiental”.
“A Unesco, que é o braço educativo da ONU esta dizendo que a educação é a chave para enfrentar as mudanças climáticas”, informa Lima. “Sem ela, a gente não vai para canto nenhum. Porque ela é focada no jovem e esse jovem tem que entender que vau lidar com os impactos do aquecimento global”.
O ciclo de lives sobre mudanças climáticas “A Consciência pelo Conhecimento” começou em março e foi o primeiro passo para um Fórum Paraibano de Mudanças Climáticas que deve ser realizado na segunda quinzena de julho. Num terceiro momento, este fórum vai contactar outros fóruns estaduais para realizar, em novembro, um Fórum Nordestino de Mudanças Climáticas, que deve terminar com um documento para ser entregue às autoridades do Consórcio Nordeste.
Para assistir ao ciclo de lives:
1 – Paulo Artaxo
Professor do Instituto de Física da USP e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU)
2 – Patrícia Pinho
Doutora em ecologia humana pela Universidade da Califórnia e diretora científica adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
Professor do IFRN e doutor em ciências climáticas
6 – Ricardo Galvão
Professor do Instituto de Física da USP e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais