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Empreendedorismo

Mulheres empreendedoras promovem desenvolvimento

publicado: 06/03/2020 15h07, última modificação: 11/03/2020 11h19
Iniciativas no sertão paraibano geram lucro, mantêm a tradição e unem famílias
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Izabel participa de programa de incubação (Diego Nóbrega/SEECT)
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Maria Da Paz conduz 16 famílias para atividade rentável (Diego Nóbrega/SEECT)
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Cerâmica dos Rufinos atrai pessoas de diversos estados do brasil (Diego Nóbrega/SEECT)
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Fonte do Sabor produz 16 sabores de polpa de fruta (Diego Nóbrega/SEECT)
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O saber é transmitido por gerações (Diego Nóbrega/ASCOM-SEECT)
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Artesão aprendeu com antepassados (Diego Nóbrega/SEECT)
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Painel solar não cobre todo o gasto com energia (Diego Nóbrega/SEECT)
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Artesão aprendeu com antepassados (Diego Nóbrega/SEECT)
Painel solar não cobre todo o gasto com energia (Diego Nóbrega/SEECT)


Tempo de leitura: 3 min.

Por Márcia Dementshuk

 

Era um dia atípico no sertão da Paraíba. Na varanda da casa, no Sítio São João, zona rural de Pombal, se ouvia os tambores do céu. Cerca de 20 pessoas eram testemunhas oculares da narrativa de Maria da Paz do Nascimento dos Santos e Silva, Dapaz, a mulher que conduziu a trajetória de 16 famílias de agricultores de meeiros a empreendedores.

Nuvens mais carregadas se aproximavam sem expulsar o calor que fazia. Nem mesmo o sol se rendia. Num cantinho da varanda estava Izabel [Rufino] da Silva Santos, mais atenta à movimentação na varanda do que aos prenúncios de chuva torrencial. Foi observando Dapaz e outras experiências que Izabel promoveu uma reviravolta ancestral na comunidade oriunda, os quilombolas Rufino. As duas histórias sob o mesmo teto nascem em margens distintas do rio Piranhas, uma à esquerda e outra à direita. Ambas elevam a dignidade de pessoas destinadas à permanecerem à margem - do desenvolvimento, da transformação digital, das oportunidades, do amor-próprio.

 

Produção de cerâmica é centenária na PB

Sem demora, choveu. Pingos grossos encharcaram o terreno de onde os Rufinos extraem o barro e as pedras para a mistura da matéria-prima da cerâmica produzida pela comunidade desde os tempos de Mãe Quina, Joaquina Maria da Conceição. No início do século XX Mãe Quina casou-se com Antônio Rufino de Jesus e chegaram em Pombal. Compraram lotes do sítio São João, às margens do Rio Piranhas, e tiveram 13 filhos. Antônio Rufino era filho de Rufina Maria da Conceição, a ex-escrava doméstica, alforriada pela Lei Áurea de 1888. Os ramos da família passam dos 80 núcleos hoje. No Sítio São João permanecem pouco mais de 50 famílias, mas a tradição do artesanato estava morrendo.

Artesanato de cerâmica não dava dinheiro. Impossível sustentar a família. Poucos artesãos insistiam em moldar o barro - duas ou três das mulheres mais idosas. Vender onde, a quem?

“Mande Izabel ir pr’aquela feirinha pra vender!”, ordenou alguém.

Izabel trabalhava como doméstica e encarou o novo desafio. A primeira vez, por volta de 2015, foi vender a cerâmica dos Rufinos na Festa [de Nossa Senhora] do Rosário, tradicional em Pombal e com um significado especial na tradição religiosa e folclórica dos Rufinos. E foi a outra e outra… Uns dois anos depois, em uma feira, Izabel montou sua “mesinha de exposição” próximo ao estande do “Bolo das Oliveiras” - produção de uma padaria comunitária liderada por mulheres, de Várzea Comprida dos Oliveiras, próximo a Pombal.

“Eu observava como elas trabalhavam e ouvi conversas sobre o apoio da Iacoc, coordenada pela professora Mônica [Mônica Tejo, da UFCG/Pombal], e foi despertando a minha curiosidade”, contou Izabel. Mais ou menos, em 2017, em uma das feiras em Cajazeiras, município próximo a Pombal, tinha o momento de formação e a professora Mônica apresentou o modelo de trabalho da Iacoc. Foi ali que eu vi que nós tínhamos tudo pra crescer. Só faltava buscar apoio”, frisou Izabel.

 

Mulheres abrem indústria de polpa de frutas

 

A história de Dapaz passa pelo acesso à terra. A grande propriedade onde as 16 famílias viviam pertencia a uma família e as gerações de moradores eram meeiros: a colheita era dividida com o dono das terras. Com a morte dos proprietários, os filhos colocaram as terras à venda. As famílias se associaram, assessoradas pela antiga Emater [Empaer] e usaram o Crédito Fundiário (antigo Banco da Terra). Mas ninguém conseguiu pagar. Anos depois, com o programa de regularização de dívidas rurais do Banco do Nordeste, renegociaram de forma que cada família conseguiu quitar o valor da dívida e se tornar proprietária da terra. Era 2006.

Na varanda de sua casa, entre trovoadas, Dapaz falava com propriedade sobre cooperativismo, economia solidária, planejamento estratégico, ampliação de mercado e inclusão:

“Os homens trabalhavam na terra mas nós, as mulheres, os jovens, precisávamos ter uma renda. Decidimos fabricar polpa de fruta porque ninguém oferecia o produto na região. Nossa ideia era plantar o pomar, colher e produzir. Mais uma vez a Emater ajudou: mandamos um projeto de agroindústria para o Cooperar (projeto para o desenvolvimento rural) e montamos nossa indústria, a Fonte do Sabor. Fizemos uma plantação de frutíferas, mas veio uma chuva forte e o rio levou as mudas. Começamos a comprar frutas de agricultores familiares de cidades vizinhas. Fechamos com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) para vender para escolas municipais e estaduais; instalamos energia solar… E eu não parava. Estudei agronomia e fiz pós-graduação”

Estava fechado o ciclo conceitual do arranjo produtivo local? Ainda não, faltava a universidade entrar nos negócios.

 

Capacitação desenvolve os negócios

 

A professora Mônica Tejo chegou ao sertão para dar aula na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Campina Grande em Pombal em 2010. Inquietou-se, pois não sabia se encontraria na cidade uma alavanca pela qual pudesse alçar seus sonhos de construir uma sociedade onde a vida tivesse mais qualidade, mais empregos e desenvolvimento.

Em meio à atividade acadêmica, montou uma padaria comunitária, embrião da indústria de Bolos das Oliveiras, liderada por mulheres. Acreditando na inovação e no empreendedorismo como solução de desenvolvimento regional, Mônica já atuava na Iacoc, “incubadora de agronegócios que tem por objetivo oferecer suporte para alavancar o potencial e promover empreendimentos de sucesso no meio rural do Semiárido da Paraíba”.

A incubadora ganhou fôlego ao integrar o Parque Tecnológico da Paraíba em 2014, Mônica estava como coordenadora Executiva Geral e incentivou as mulheres do Bolo da Oliveiras a passar pelo processo de incubação.

É nesse ponto em que todas as histórias dessa reportagem convergem. A experiência das empreendedoras dos bolos atraiu Izabel, dos Rufinos. A quilombola encontrou apoio com a professora Mônica Tejo e, pela cerâmica, participou do edital para incubação na Iacoc, no Parque Tecnológico:

“Foi uma reviravolta. Antes da incubação, por volta de 2017, por uma parceria entre a Prefeitura de Pombal e o Cemar [Centro de Educação Margarida Pereira] recebemos a visita de uma uma artesã de Maturéia, Maria José, que nos ensinou essa nova técnica que usamos hoje para a mistura do barro e novas técnicas para o acabamento das peças. Mas vendíamos pouco. Depois, Dapaz me avisou do edital para a Iacoc e passamos por todas as etapas; estamos incubados desde o ano passado [2019]. Montamos nosso planejamento estratégico e todos os eixos de mercado e trabalhamos para colocar em prática. Integramos a Ecosol, cooperativa da economia solidária, e por meio dela, emitimos nota fiscal. Não tínhamos base para estabelecer os preços, não tínhamos visão de mercado para crescer; à medida em que aprendíamos, víamos tudo isso e o mais importante: a missão de resgatar a cultura da nossa família. Criamos a logomarca, redes sociais e posso dizer que nossa produção aumentou muito. Hoje são 15 artesãos, incluindo jovens. Todos se sustentam e até eu deixei de trabalhar em casa de família para dar conta da cerâmica”.

A indústria de polpas passou por um processo semelhante. De acordo com Dapaz, a Fonte de Sabor teve um crescimento de 70% na produção e vendas depois da incubação. Ela conheceu a professora Mônica Tejo na UFCG:

“Hoje temos licença para produção de 16 polpas, vendemos, em média, 3 mil kg de polpa por mês; atendemos 35 escolas das regiões de Pombal e Catolé do Rocha. As 16 famílias têm um rendimento de, no mínimo, mil reais por mês. A nossa atividade inspirou a formação de outras duas indústrias de polpa e, dentro do espírito cooperativista e da economia solidária, as três se unem para atender pedidos maiores. Nossa meta é entrar no varejo, em supermercados”.

  

Compromisso com a inovação para o crescimento

 

Neste ano, Mônica Tejo foi nomeada Diretora do Instituto Nacional do Semiárido. Por ela estar se preparando para esta nova etapa da vida, não foi possível conversarmos. Mas os resultados de sua dedicação falam mais do que qualquer depoimento que ela pudesse dar!

Essa reportagem não seria possível sem o auxílio de Thiago Batista Rufino, estudioso da família que nos contou a origem dos Rufinos; senhor José Tavares, o Boquinha, que conhecia os locais dos sítios; de José Renan, motorista “off road”; Diego Nóbrega, repórter e artista fotográfico; da receptividade dos pombalenses; e da Secretaria-Executiva de Estado da Ciência e Tecnologia, comprometida com o desenvolvimento regional através da tecnologia, inovação e parcerias.