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Mãe e ciência: os desafios da carreira científica na maternidade

publicado: 14/05/2023 15h46, última modificação: 29/05/2023 12h49
Na Paraíba, a proporção de mulheres em atividade de pesquisa em universidades ultrapassa em 19% a dos homens
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“Eu não desisto da minha filha”, assegura a mãe, professora de informática, pesquisadora na área de inteligência artificial, chefe do Departamento de Informática da Universidade Federal da Paraíba, Daniela Coelho Batista Guedes Pereira. Ela se refere à terceira filha, nascida com Down. No mesmo departamento trabalha Natasha Correia Queiroz Lino, mãe de duas filhas pequenas e professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Informática. Tanto Daniela quanto Natasha sofrem os impactos da maternidade na carreira acadêmica.

Natasha comemora a inclusão, em março deste ano, de informações relativas à maternidade na Plataforma Sucupira, uma ferramenta nacional para avaliação dos cursos de pós-graduação. Mas a luta para se ter condições iguais para a produção científica entre homens e mulheres não para por aí.

A Plataforma Sucupira integra o sistema de avaliação da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, “uma fundação vinculada ao Ministério da Educação que atua na expansão e consolidação da pós-graduação”. “Mas não sabemos ainda se haverá ou como serão as determinações da Capes em favor das mães. O que se busca é que a Capes dê uma orientação geral para todos os programas”, informa Natasha Correia.  

“Cada uma das 45 áreas do conhecimento em que atua a Capes tem seus critérios de avaliação, mas há uma filosofia comum a todas”: a produção científica – publicações de artigos em revistas científicas de maior impacto, de forma que as referências (citações) são empregadas entre a comunidade científica; formação de mestres e doutores – aquisição de experiência para atuar na pesquisa; a qualidade da formação dos alunos; e o impacto social do programa. Esses e outros itens têm pesos diferentes com notas que vão de 0 a 10.

Programas de pós-graduação nos quais os professores produzem pouco não obtêm boa nota final de avaliação, que vai de 1 a 7. Esta nota é um dos indicadores para a abertura de programas de pós-graduação com mestrados, doutorados e pós-doutorados. É nesse contexto que as mães com filhos pequenos, sejam adotados ou naturais, vivenciam as dificuldades que levam à frustrações e provocam até o abandono da carreira acadêmica.

Um estudo científico abordando esse tema apresentado pelo grupo Parents in Science foram entrevistados 2 mil pesquisadores brasileiros. Os resultados mostram que a grande maioria das entrevistadas, 81%, relatou que a maternidade teve um impacto de forma negativa em suas carreira científica. Sete por cento disseram que impactou de forma positiva.

Em outro artigo publicado na Nature, os pesquisadores e pesquisadoras afirmam que “o viés de gênero é predominante na ciência, especialmente nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, onde a presença das mulheres diminui acentuadamente durante a carreira acadêmica”. Esse fenômeno é conhecido como “efeito tesoura” ou “canal furado” e muitos estudos mostraram que a maioria das mulheres deixa a academia após a pós-graduação em nível de pós-doutorado. Os motivos são diversos, mas a maioria relacionados com a maternidade, preconceitos contra as mulheres, ou avaliações injustas.

Na Paraíba, a proporção de mulheres em atividade de pesquisa em universidades ultrapassa em 19% à dos homens, desde a iniciação científica até o pós-doutorado, tomando como base os dados provenientes da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq-PB) . Em 2022 foram concedidas um total de 811 bolsas de fomento à pesquisa, 477 (58,9%) desses subsídios são usados por mulheres e 334 (41,1%) por homens. 

Os números na Paraíba acompanham os dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a agência nacional de fomento à pesquisa, o CNPq: “No Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, a , 50% do total de pesquisadores cadastrados são mulheres. Nos últimos 15 anos o percentual de mulheres aumentou 7 pontos percentuais”.

Um processo de conscientização no meio científico vem esclarecendo que, sim, ser mãe e ser cientista é algo totalmente possível. O movimento Parent in Science surgiu em 2016 para pesquisar a realidade da maternidade na comunidade acadêmica e esclarecer sobre o que vivem as pesquisadoras mães, para que a área científica se torne cada vez mais diversa, acolhedora e aberta aos ajustes necessários em prol da pesquisadora e da própria ciência.

Em 2021, o CNPq inseriu na Plataforma Lattes, onde os pesquisadores informam dados de currículo, a inclusão do registro dos períodos de licença-maternidade. Essa conquista é resultado da mobilização de cientistas brasileiras iniciada em 2017, em Porto Alegre (RS), com o movimento Parent in Science (Mães e Pais na Ciência).

Contudo, sem políticas de atenção claras e amplamente aplicadas, a permanência das mulheres na pesquisa estará ameaçada no período em que passam pela maternidade.

 

Pesquisadoras sugerem que instituições de pesquisa devem reavaliar políticas de avaliação

 

Quando Daniela Coelho estava grávida do segundo filho, em 2006, recebeu a notícia de que foi aprovada no concurso público para professora na Universidade Federal da Paraíba. Quando a nomeação foi publicada, o bebê havia nascido há 15 dias. “Com um mês de vida ele participou de uma reunião na reitoria, com auxílio da minha funcionária. Mas quando eu comecei a dar aulas e ele chegou aos 4 meses, ficava em casa e não quis mais mamar no peito”, contou a professora.

Esse é um relato dentre milhares de experiências vividas por mulheres pesquisadoras no mundo inteiro. Naturalmente, quando os filhos nascem as atenções das mães se voltam para o bem-estar do pequeno, amamentando, ou atendendo alguma enfermidade, muitas vezes à noite, ou mesmo as necessidades simples para um crescimento saudável. O tempo para escrever artigos ou se dedicar à carreira profissional diminui. 

Atenta à implementação de políticas que reconheçam o impacto na carreira acadêmica causado pela maternidade, Natasha Correia argumenta que poucas universidades federais no Brasil promovem políticas para mulheres. Enquanto uma resolução nacional não é formulada, há alguns exemplos pontuais, como da Universidade Federal de Pernambuco, que aplica um fator de correção para as pesquisadoras que tiveram filhos nos últimos cinco anos.

Outro exemplo é a Avaliação de Área da Sociologia pelo comitê de avaliação da Capes. Neste, foram considerados procedimentos que reconhecem os efeitos de condições desiguais para a produção científica entre homens e mulheres mães. O comitê adota na avaliação medidas de estímulo compensatórias para docentes e discentes que usufruam de licença maternidade ao longo do quadriênio (referente ao período de avaliação). “Docentes permanentes que usufruírem de licença maternidade, em qualquer um dos anos do quadriênio, não serão contabilizadas nos denominadores para cálculo da produção intelectual”.

Na Universidade Federal da Paraíba, o Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais resolveu que “professoras gestantes terão reduzidas os encargos/pontuação em 50% no quadriênio do nascimento ou no quadriênio subsequente”.

Natasha Correia ressalta que ao considerar apenas essa determinação já se favorece uma convivência melhor no departamento da universidade, pois os colegas não veem mais a mulher mãe como um peso, responsável por baixar a avaliação do curso. “O problema é que cada comitê faz as suas regras. Na área de computação não temos nada a esse respeito. Por isso, uma política nacional é tão necessária”, salienta a professora.

No comando do Departamento de Informática da UFPB, Daniela Coelho se deparou com vários estudantes que não concluíram a graduação faltando muito pouco para o término da jornada. Algumas mulheres entre eles. Sem demora, a professora procurou pelos alunos transmitindo-lhes o estímulo que ela mesma desenvolveu interiormente, com maior potencial depois do nascimento da filha com síndrome de Down, que hoje está com 14 anos: “Não desistir. Seguir em frente. Um dia depois do outro, olhando para onde se quer chegar, visando alcançar o objetivo”.

 

Como instituições podem apoiar as mães na ciência

 

Em um guia publicado pelo grupo Parents in Science há sugestões sobre como instituições podem apoiar as mães na ciência:

·       Adoção de critérios que considerem a maternidade em todos processos que envolvam avaliação de currículo, como processos seletivos, credenciamento em programas de pós-graduação, progressão funcional, financiamento e bolsas, entre outros.

·       Ampliação do intervalo de avaliação dos currículos em, pelo menos, 2 anos por filho nascido ou adotado no período avaliado; adoção de fatores de correção na pontuação obtida na análise do currículo.

·       Oferecimento de recursos de infraestrutura e financeiros para garantir a permanência e progressão das mães na carreira. (Auxílio creche, bolsas e financiamentos específicos para projetos liderados por mães).

·       Garantia de oportunidades para a progressão das mães na carreira.

·       Promoção de uma cultura de trabalho mais flexível e inclusiva, que valorize o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

·       Conscientização sobre a necessidade da criação de um ambiente inclusivo e acolhedor para mães.

·       Destacar o papel das cientistas mães na academia e na ciência.

 

Texto: Márcia Dementshuk