Notícias

SUSTENTABILIDADE

Compostagem ajuda a combater doenças em aldeia indígena

publicado: 02/05/2021 00h00, última modificação: 20/05/2021 16h22
Técnica estimula decomposição segura do lixo evitando moscas e produzindo material orgânico de qualidade para plantações
Divulgação

Trabalho de compostagem na aldeia/ foto: arquivo pessoal

 

 

 

Renato Félix

 

Sem coleta de lixo, os indígenas moradores da Aldeia Silva, em Baía da Traição, enterravam seus resíduos no quintal de casa. Era um banquete para o mosquito-palha, vetor de doenças como a leishmaniose e o calazar, que se alimenta do lixo úmido e também o usa para depositar seus ovos. Resolver esse problema foi o objetivo de um projeto que usou como estratégia a compostagem. Foi o trabalho de conclusão de curso técnico em Meio ambiente de Alex Nazario da Silva, no Instituto Federal da Paraíba, com parceria do Governo do Estado através da Empresa Paraibana de Abastecimento e Serviços Agrícolas (Empasa).

Compostagem é um conjunto de técnicas que tem por objetivo estimular o processo de decomposição dos resíduos e, no fim, obter um material rico em substância húmicas e nutrientes minerais para uso no solo. O trabalho envolveu palestras e oficinais para os moradores aprenderem a técnica e sua aplicação prática. Com o tratamento adequado desse lixo, por tabela, os mosquitos deixaram de ter acesso aos resíduos, reduzindo sua proliferação e, consequentemente, as doenças que vinham com eles.

“Considerando-se que na comunidade não existia coleta de lixo, estes eram descartados inadequadamente nos quintais das residências. O que, consequentemente, convidava os vetores a se proliferarem fora do habitat natural. E assim, toda a população ficava vulnerável a doença”, explica Silva, que também é agente de endemias e já trabalhava na comunidade. “A compostagem passou a ser entendida como uma forma de tratar os resíduos de forma pertinente, e assim, evitar a atração de vetores”.

“Quando falamos em compostagem, a gente pensa na educação ambiental, na destinação correta de resíduos, a contribuição com o meio ambiente. Incluindo políticas públicas para municípios”, afirma Silvana Alves dos Santos, da Empasa, que está à frente do programa de compostagem desde 2011. Ela explica que a técnica ajuda a reduzir o desperdício de comida, resíduos orgânicos jogados inadequadamente em terrenos baldios, nos lixões e nos quintais. “A nossa linha de pensamento é utilizar esse resíduo de forma adequada para dar um destino correto”.

O convite para participar desse projeto foi um pouco diferente do trabalho que o programa já vinha realizando, muito mais voltado à transferência de tecnologia, contribuindo com os assentamentos, com ONGs, associações e cooperativas. “Foi a primeira vez que eu trabalhei nessa linha de políticas públicas para a comunidade”, conta ela. “Entrei como parceira social para desenvolver esse trabalho. Eles tinham a necessidade de saber se a compostagem tinha como neutralizar esse problema do calazar – do mosquito-palha que deposita os ovos na matéria orgânica”.

Alex e Silvana assinam o projeto junto com as professoras Alexandra Rafaela de Silva Freire e Glória Cristina Cornelio do Nascimento.

 

 

Conscientização foi passo inicial

 

O trabalho envolveu, a princípio, uma conscientização ambiental da comunidade. Um processo que sempre pode ter alguma resistência, pois envolve a mudança de hábitos há muito cultivados pelos moradores. No caso, o de enterrar o lixo, que deveria ser mudado para um processo muito mais demorado e que exige mais cuidado e atenção – mesmo que os resultados sejam muito mais positivos lá na frente, em termos de saúde e sustentabilidade.

“O trabalho teve que ser feito do zero”, conta Silva. “As crianças, assim como a comunidade em geral, são carentes de educação ambiental. Além de desconhecer compostagem, não tinham noção do perigo que era descartar resíduos orgânicos de forma inadequada”.

Ele lembra que o fato de também ser indígena, embora de outra aldeia, facilitou esse processo. “Eu sou indígena, e trabalhava na comunidade – uma razão a mais para a população aderir ao projeto”, afirma. “Inicialmente pedi anuência do cacique para que eu pudesse reunir o povo e apresentar o projeto. Ele atendeu o meu pedido, apresentei o projeto à população e eles tomaram conhecimento de que os resíduos descartados de forma inadequada eram o que estava contribuindo para o alastramento da doença”.

Ele calcula que 80% da população aderiu ao projeto, enquanto os restantes ficaram mais resistentes. “Os que aderiram relataram ter medo de uma criança ser vítima do vetor. Consideraram, por outro lado, os relatos de pessoas da própria comunidade que foram vítimas do vetor e alegaram que o tratamento da doença é dolorido”.

Silvana Santos ministrou oficinas e palestras para professores e crianças de 8 a 10 anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Manoel Ferreira Padilha, de Baía da Traição. “Naquele momento não era só para alunos, mas também para os indígenas, tinha jovens, adolescentes, idosos, crianças... Foi muito prazeroso porque foi uma novidade pra eles”, lembra. Ela conta, também, que a demonstração prática do processo ajudou. “Quando você leva uma proposta dessas, durante a teoria as pessoas ainda ficam um pouco em dúvida. Mas quando você chega para fazer uma aula prática, que eles começam a ver a montagem daquelas leiras, foi prazeroso. Todo mundo pôde contribuir, trazendo o material de suas próprias casas para montarmos ali aquela primeira leira”.

“Foram distribuídos diversos baldes para a população juntar os resíduos nas residências”, acrescenta Alex. “Após a junção dos resíduos, estes são encaminhados para o local de compostagem”.

 

 

Técnica exige paciência e atenção

 

“Leira” é o canteiro onde o material da compostagem é depositado. O processo é detalhista e exige cuidado, método e paciência. “Numa leira de compostagem entra a química, a física e a biologia”, explica Silvana. “A compostagem é feita com a relação do carbono e o nitrogênio e a relação entre matéria seca e matéria úmida”.

Para explicar aos moradores, Silvana não vai tratar de carbono e nitrogênio: ela prefere usar para a prática a imagem de um sanduíche. Isso porque a compostagem é montada em camadas. “A primeira camada é de capim e palha seca; a segunda, de casca de frutas, verduras, esterco de gado, poda de árvores; na terceira, é preciso cobrir com mais capim, palha seca, folhas secas”. A matéria seca tem que ser sempre a mais que a úmida por conta da produção do chorume. “A folha seca absorve a umidade, mas o chorume não deixa ela ficar tão molhada, para não permitir a liberação da amônia e gerar aquele mau cheiro”.

São três ou quatro camadas montadas nessa sequência. “Muito bem cobertas para não dar mosca”, ressalta. “Depois que a leira está pronta, deixamos ela descansar por 15 dias”. Nesse prazo, é feito um revolvimento: a leira é aberta e a matéria orgânica é revirada. “Para que ela possa passar por uma oxigenação, liberação do calor e ver a umidade dela, porque ela não pode estar muito úmida. Tudo tem que estar muito bem equilibrado”.

Com o revolvimento, a temperatura começa a baixar e as bactérias voltam a ter um ambiente favorável para trabalhar no processo de decomposição. “Então fechamos a leira de novo, cobrimos com o material seco e deixamos descansar mais 15 dias. Daí, voltamos a fazer esse mesmo processo e observamos como ela está se comportando”.

Em 30 dias, nova verificação e revolvimento. O último processo de revirada do material ocorre é com 45 dias. “A essa altura, as bactérias já fizeram todo o trabalho delas de decomposição da matéria, a temperatura já está normalizada, e a umidade já está no ponto para estabilizar”, explica. O ciclo se completa de 90 a 120 dias. “Aí, o material já está pronto para a a utilização: temos um humus rico, com macro e micro nutrientes, que recupera o solo, equilibra o PH, favorável para as plantas”.

Ela lembra que esse produto final ajuda na produção de folhas que podem não só ser consumidas, mas até vendidas pela população da aldeia.

 

 

Produção de flores deve ser beneficiada

 

O programa de compostagem do Governo do Estado tem parcerias com instituições como o IFPB, a UFPB, a UEPB, entre outras. “Nas universidades e no instituto fazemos parte dos projetos de extensão com parceiro social”, explica Silvana. Uma das ações em que esse programa tende a crescer é na produção de flores no estado.

“A Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia está fazendo um convênio para desenvolver um projeto de compostagem. Como há um projeto do arranjo produtivo de flores, então vai agregar com ações nos municípios para fortalecer a cadeia produtiva e trabalhar com sustentabilidade”, conta ela.