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Ciência no Brasil padece por financiamento
Márcia Dementshuk
Quando especulava-se a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde no início deste mês, em um de seus pronunciamentos ele comparou o Brasil a um paciente. Tomando essa metáfora, se há um órgão desse paciente chamado Brasil que está gravemente enfermo é a Ciência, a Pesquisa e o Desenvolvimento. Sofrendo historicamente com baixos investimentos, nesse ano o empenho dos pesquisadores por meio das associações e outras organizações, tem sido para que não haja ainda mais cortes. “Estamos lutando para que não seja retirado o que ainda temos”, afirmou o presidente as Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ildeu de Castro.
Doutor em Física e um grande divulgador da ciência, as preocupações de Ildeu de Castro se voltam para a melhoria das condições de fazer pesquisa científica no Brasil e promover o desenvolvimento. A dedicação o tem levado com mais frequência para Brasília, onde a tinta da caneta que determina os cortes dos recursos tem sido gasta:
“Nesses últimos anos estamos presentes no Congresso Nacional constantemente lutando por um orçamento, e não é nem para aumentar, é para não diminuir. Diminuiu drasticamente nos últimos anos fazendo com que laboratórios parassem, que jovens saíssem do Brasil e fossem para o exterior, diminuíram a intensidade de pesquisas”, afirmou Ildeu de Castro.
Hoje existe no Congresso Nacional uma Medida Provisória (MPV) para abrir um crédito extraordinário solicitando 100 milhões em recursos para o enfrentamento ao novo coronavírus por meio da pesquisa científica e tecnológica. “É preciso cinco vezes mais, pelo menos’, afirma o presidente da SBPC.
A MPV em questão, (Nº 929, de 25/03/2020), é em favor dos Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), das Relações Exteriores (MRE), da Defesa (MD) e da Cidadania (MCID), no valor total de pouco mais de R$ 3,4 bilhões: ao MRE está destinado r$ 62 milhões; ao MD, R$ 220 milhões; ao MCID, R$ 3,03 bilhões. O MCTIC, R$ 100 milhões.
Os bilhões ao Ministério da Cidadania serão usados para “a ampliação do número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família”. O MRE, para assistir pessoas no exterior que estão impedidas de retornar. O MD, para segurança e apoio logístico. As justificativas são nobres e convergem para o combate à pandemia causada pelo novo coronavírus. O problema é que os recursos para o MCTIC sairão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que são de R$ 4,5 bilhões, cujos 80% estão congelados pelo Governo Federal; recebe investimentos do setor privado para o financiamento de projetos projetos de desenvolvimento tecnológico. A Ciência e Tecnologia poderia ter um recurso muito maior.
“O Fundo (FNDCT) ia ser extinto no ano passado, por uma proposta do Ministério da Economia e conseguimos reverter isso no Senado, dois meses antes dessa pandemia estourar. Havia uma proposta dentro do Congresso Nacional acabando com o principal fundo de recursos para a Ciência e Tecnologia do País. E os recursos desse Fundo vêm de setores empresariais, nem é do governo”, esclarece Ildeu de Castro. “Os recursos ganham outras destinações, mas não para a Ciência e Tecnologia, como deveria ser por lei. E nesse momento que se diz haver uma sensibilidade geral pelo fato de que a ciência é importante, o próprio Congresso Nacional, o próprio governo, não fazem acontecer”.
Pandemia não é suficiente para valorizar a ciência
Embora uma pandemia esteja ocorrendo e seja evidente a importância da ciência para o combate à Covid-19, Ildeu de Castro observa que a valorização da ciência é relativa e ainda há o desrespeito quanto às orientações dos organismos de saúde:
“A valorização recente da ciência por causa da pandemia, é relativa. Alguns setores ainda não respeitam as orientações vindas dos organismos internacionais de saúde, às vezes vemos discursos contrários às recomendações; uma parcela da população não vê a importância da ciência. Deveria ser muito maior porque ela é importante para a sobrevivência – inclusive física – das pessoas, para a economia”, ressalta.
O presidente da SBPC afirma que cientistas brasileiros estão apresentando respostas rápidas para a sociedade com relação ao novo coronavírus, apesar dos cortes orçamentários, com dificuldades de infraestrutura, falta de insumos, ausência de bolsas de auxílio: “Nesse momento, muitos estudantes e pesquisadores em universidades estão trabalhando intensamente nesse enfrentamento. Cada universidade no Brasil tem feito, desde a produção de material, novos equipamentos, pesquisas para verificar o contágio, produção de testes, análise do código genético, a perspectiva de fazer uma vacina… Lamentamos porque se tivéssemos uma infraestrutura mais adequada, e uma percepção social maior poderíamos fazer muito mais”.
Brasil tem potencial para inovação
A falta de investimentos reflete no desempenho do Brasil em relação às outras nações do Planeta. O Brasil está em 68º lugar no mundo em termos de inovação (em 2016 estava em 64º). Faltam condições, mecanismos, para que pelo menos uma parcela das criações oriundas de pesquisas se transforme em produtos.
“É preciso ter um projeto de país que coloque à frente as vantagens que temos. Por exemplo, temos a maior biodiversidade do mundo; se bem estudada e explorada dentro da perspectiva de desenvolvimento sustentável, pode ser um fonte imensa de recurso para o país mantendo-se a preservação e não derrubando árvores para criar gado,” argumenta Ildeu de Castro e continua:
“Vemos nosso potencial no uso da tecnologia na agroindústria, na exploração do petróleo em águas profundas, mas temos que buscar desenvolvimento em outras áreas, na mineração, energia, biodiversidade. Mesmo a agricultura tem que ser modernizada e preservar as outras potencialidades de riqueza que há no Brasil como a Amazônia. A agricultura pode ter produtividade maior com mais ciência, a tecnologia . O termo agricultura sustentável vai ser importante no futuro. Nos próximos anos será mais importante, para alimentar essa massa imensa com bilhões de pessoas”.
Outro setor que pode ser explorado no Brasil é o turismo, embora não seja o momento ideal para essa abordagem, como colocou Ildeu de Castro, “o Brasil recebe uma quantidade menor de turistas por ano do que Portugal e o Brasil tem mais regiões com belezas naturais com potencial grande para receber turistas do mundo inteiro”.
Mas nada poderá avançar sem os investimentos necessários, pois “é fundamental capacitar pessoas para isso, qualquer avanço científico, tecnológico requer formação qualificada; melhorar a educação em todos os níveis do Brasil é também um desfaio importante”, encerra Ildeu de Castro.