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Ciclo de lives 'Sempre Foi Sobre Nós': trabalho da mulher na agricultura familiar na PB supera o do homem

publicado: 19/03/2023 00h00, última modificação: 21/03/2023 15h54
Estudo da Embrapa feito na região da Bacia Leiteira Caprina entre Paraíba e Pernambuco foi tema de mais uma live sobre a mulher na ciência
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Márcia Gondim com produtoras em municípios do Brejo/ foto: arquivo pessoal
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Marcia Gondim com produtoras em municípios do Brejo paraibano/ foto: arquivo pessoal
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Inês Nunes apresenta o programa Paraiba produtiva em Campina Grande, em janeiro/ foto: arquivo pessoal
2023.03.19 - A União - Live trabalho mulheres - Marcia Gondim com produtoras em municípios do Brejo paraibano (5)
2023.03.19 - A União - Live trabalho mulheres - Marcia Gondim com produtoras em municípios do Brejo paraibano (3)
2023.03.19 - A União - Live trabalho mulheres - Inês Nunes apresenta o programa Paraiba produtiva em Campina Grande - jan. 2023 (1)

 

 

 

Márcia Dementshuk e Renato Félix

 

Um estudo feito pela Embrapa na região da Bacia Leiteira Caprina entre Paraíba e Pernambuco detectou um acúmulo maior de horas de trabalho por parte da mulher da agricultura familiar comparado aos outros membros da família. Além de ela atuar nas atividades produtivas, ainda assume o trabalho doméstico. Não há folga nem no sábado, nem no domingo, são quase nove horas de trabalho, nos sete dias da semana. O agravante é que esse esforço não é categorizado pelos instrumentos de pesquisa e, portanto, não aparece nos resultados finais publicados pelos indicadores que medem a economia. Por vezes, nem mesmo as próprias mulheres agricultoras se reconhecem como tal.

A pesquisadora da Embrapa Caprinos e Ovinos, Nívea Felisberto, e Inês Nunes, da equipe técnica do programa Paraíba Produtiva, apresentaram informações durante o Ciclo de Lives “Sempre foi sobre nós” – Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Mulher nesta semana que destacam necessidade da implantação de instrumentos que incluam dados sobre a participação das mulheres na economia rural, especialmente da agricultura familiar.

Para dados que vão além do Censo Agropecuário 2017, do IBGE, Nívea Felisberto destacou o artigo acadêmico “As mulheres no Censo Agropecuário de 2017” (2021, Karla Hora, Miriam Nobre e Andrea Butto). O estudo parte do “resgate da trajetória histórica de melhorar os instrumentos de registro da presença das mulheres no Censo Agropecuário e de um diálogo com os estudos da economia feminista”.

O Censo Agropecuário de 2017 regista “5,07 milhões estabelecimentos agropecuários, sendo que 81,3% (4,11milhões) sob gestão masculina e 18,7% (946 mil) sob gestão feminina, considerando todas as formas de direção. Do total de estabelecimentos, 77,1% (3,89 milhões) foram classificados como Agricultura Familiar (AF) e 22,9% (1,16 milhões) como Não Agricultura Familiar (NAF).

No artigo as pesquisadoras focaram, entre outros pontos, na “codireção” por casal dos estabelecimentos agropecuários: “a proposta da categoria codireção é contribuir para o entendimento das relações de gênero em dinâmicas de produção familiares e conjuntas”. “Os estabelecimentos em codireção representaram 20% dos 5.073.324 estabelecimentos agropecuários com forte variação regional, indo de 15% na região sudeste a 31% na região sul. Entre estes, 82% são da agricultura familiar, com menor proporção na região centro-oeste (77%) e maior na região norte (86%), seguida pela região sul (85%). Entre os estabelecimentos com direção por produtora individual mulher 83% são da agricultura familiar”.

O artigo demonstra o “viés de autoridade patriarcal e a expressão estatística de manifestações do senso comum, como a de que o trabalho das mulheres na roça é ajuda”.  Nívea Felisberto salienta: “Precisamos fazer com que a voz dessas mulheres seja ouvida dentro das propriedades porque elas não são simplesmente uma mão de obra, uma ‘ajuda’. Elas pensam muito bem, geram muito bem recursos e precisam participar mais das decisões. E como? Trazendo políticas públicas de incentivo, por exemplo, ter uma linha de crédito para a mulher, para que ela decida o destino daqueles recursos”.

 

Estudos na Paraíba pretendem dar visibilidade ao trabalho das agricultoras

 

Equipes da Embrapa e do Paraíba Produtiva aplicam questionários a 557 produtores da Bacia Leiteira Caprina - PB/PE pelo qual se observa que as mulheres, além das atividades com o roçado, o gado, caprino, galinhas, porcos, assumem os trabalhos com a família em proporção altamente desigual. A partir das respostas foi feito um fluxograma de Divisão Social do Trabalho mapeando a participação de cada um dos integrantes da família.

No exemplo apresentado identifica-se que a mulher gasta, por ano, 1.508 horas em atividades produtivas e 2.372 horas em cuidados com a família: 3.880 horas de trabalho. O homem gasta 60 horas no trabalho doméstico e os dois jovens, não gastam. Mesmo somando as horas gastas com as atividades econômicas produtivas pelo homem (2.959 horas), ainda são menos horas (total 3.019 horas) do que as mulheres trabalham.

Este exemplo é singular, mas representativo. “Quando esses dados são levados para as famílias reforçamos que o objetivo é fazer com que se enxergue a participação de cada um, e se é possível fazer alguma coisa mais pelo parceiro”, explica Nívea Felisberto.

Para Inês Nunes este é um esforço para o qual o programa Paraíba Produtiva deverá se voltar e está relacionado com a elaboração do “Plano de Biosseguridade da Caprinocultura Leiteira nos territórios dos Cariris Paraibanos e Sertões Pernambucanos” que está em andamento. “Além da saúde do rebanho, as instalações, o bem estar dos trabalhadores é um dos itens importantes do plano, o que inclui a participação da mulher no processo produtivo”, avalia Inês.

 

Mercado de flores é protagonizado pelas mulheres

 

O arranjo produtivo local batizado de APL das Flores foi o tema do quarto encontro. As convidadas foram a professora Márcia Gondim, do programa Paraíba Produtiva, e a produtora Maria José “Lia” dos Santos. Elas falaram sobre os dados a respeito do cultivo de flores no estado e da importância desse mercado para as mulheres, que respondem por aproximadamente 80% da produção paraibana. Como as demais do ciclo, a live fica disponível no site da Fapesq-PB no YouTube.

Márcia Gondim, graduada em Agronomia que hoje também é produtora, começou a trabalhar com o assunto em 2006, a partir da Associação Flores Vila Real, em Areia. Estudou o tema no doutorado e, no Paraíba Produtiva, vem trabalhando para levantar dados até então inexistentes sobre esse mercado no estado.

“Fizemos um diagnóstico do litoral ao sertão”, conta ela. “Descobrimos que 80% se enquadram como agricultores familiares, e que 82% são mulheres”. Delas, 69% possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), sendo Pronaf o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.

“Essa é uma atividade que, por ter um cultivo mais delicado do queo de milho ou feijão, acaba atraindo as mulheres”, afirma a professora a respeito dos motivos de as mulheres serem a força produtora primordial desse arranjo produtivo local. “E muitas vezes essas informações vai passando de uma geração para outra, de mãe para filha”.

A atividade de floricultura é atualmente bem abrangente e ampla. “Há quem cultive de clima temperado – em Areia, Bananeira, Serraria”, conta. “E tem as espécies no Sertão – cactos, rosas do deserto, em locais como Pombal, região de Patos, Matureia”. A grande maioria é de flores em vaso. Segundo Márcia, só dois produtores trabalham com de flores de corte: em Sapé e em Pilões.

Para ela, o fato de as mulheres serem as maiores produtoras é importante sobretudo do ponto de vista social. “Porque a grande maioria dessas mulheres são produtoras familiares, não tem outra alternativa econômica”, diz. “Essa mulher vira protagonista. E esse cultivo evita o êxodo rural”.

Ela conta também que existem dois grupos principais: um que já está há mais de 15 anos no mercado e outro muito mais recente, que está na atividade há apenas um ou dois anos. Nessa turma mais recente está Lia, de Serraria.

Produtora há dois anos, em parceria com uma amiga, viu o negócio crescer a partir de oficinas e cursos de gestão que frequentou. “A gente foi ganhando conhecimento”, contou. “A gente vai descobrindo novas coisas. Pelas flores, a gente teve a oportunidade de chegar a universidades, participar de Expotec... É tudo novo pra gente, diferente”.

Márcia aponta que o mercado da Paraíba para as produtoras ainda está em aberto, e é abastceido por produtores de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e até São Paulo. “Toda semana chega duas carretas de flores na Paraíba”, diz. “A vantagem local é que as nossas plantas já estão aclimatadas. A dificuldade é a questão de logística e comercialização. O mercado consumidor ainda é muito pequeno. É preciso campanhas de incentivo para consumo e comercialização”.

O Ciclo de Lives “Sempre foi Sobre Nós” terá mais duas lives com os temas “Mulheres, inovação e empreendedorismo feminino” e “Mulheres e os ODS da ONU”, nas sextas-feiras, dias 24 e 31 de março, Às 10h, no canal da Fapesq no youtube. É uma realização da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (SECTIES) com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq).