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OBSERVATÓRIO
Caatinga será monitorada na Paraíba
Márcia Dementshuk
Está em andamento na Paraíba a formação do Observatório da Caatinga (OCA), através do qual será possível consultar dados como a captura do carbono pela vegetação, sobre o consumo de água em uma plantação ou o desmatamento em uma área especificamente no bioma Caatinga. Pesquisadores estão aprimorando modelos climáticos que poderão ser aplicados na gestão e controle da distribuição de água para perímetros irrigados (utilizados para agricultura), por exemplo; ou acessar um conjunto de informações que poderá
direcionar soluções para que a atividade agrícola tenha mais produtividade e menor custo. Será possível também quantificar a captura do carbono em uma área e entender, em termos financeiros, os benefícios de conservar a mata em pé e recuperar áreas degradadas.
O trabalho é complexo e envolve pessoas que tenham conhecimento em climatologia, em biologia, hidrologia, em processamento de dados, computação, modelagem de dados, tecnologias de monitoramento e um diferencial crucial: um olhar profundo para questões climáticas, sociais, econômicas e ambientais da Caatinga, com relação às pessoas que vivem nesse lugar.
Tais características reuniram pesquisadores como John Elton Cunha, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido, na Universidade Federal de Campina Grande e Aldrin Martin Perez-Marin, do Núcleo de Desertificação e Agroecologia em Terras Secas do Instituto Nacional do Semiárido, os coordenadores do projeto; o professor do Centro de Tecnologia e Recursos Naturais, Carlos Galvão (UFCG), na parte de hidrologia; a professora Fernanda Valente, do Instituto Superior de Agronomia, em Portugal, uma das primeiras especialistas a orientar o projeto em termos de instrumentação; Rodolfo Nóbrega, especialista em modelagem ecossistêmica no Imperial College, na Inglaterra; David Melo, doutorando em Agronomia pela Universidade Federal da Paraíba, campus de Areia. Ulisses Alencar, doutorando em Engenharia Civil e Ambiental na UFCG, na parte de processamento de imagens e de dados; e a mestranda Sabrina Holanda Oliveira orientada pelo professor John.
Essa equipe já assina publicações de artigos científicos em periódicos internacionais de alto impacto como a Remote sensing of Environment, revista de maior impacto da área de sensoriamento remoto. São estas pesquisas que conferem sustentação científica ao Observatório da Caatinga. “É uma plataforma muito robusta para servir a comunidade do Semiárido. No estágio em que estamos buscamos soluções para que essas informações cheguem ao pequeno e médio produtor. Porque o grande agricultor tem condições de adquirir tecnologia, mas os pequenos, não”, preocupa-se John Cunha. A proposta é difundir essas informações tanto para os grandes quanto para os pequenos e médios produtores rurais. Contudo, sabe-se da vulnerabilidade dos pequenos e médios - que sofrerão um impacto muito grande se permanecerem à margem da transformação tecnológica -, ou seja, se não tiverem acesso à tecnologia.
“Pensamos que jovens estudantes da área rural poderão ter grande interesse em aprender a usar essas informações e aplicá-las para desenvolver a produtividade da propriedade da família. Também cogitamos trabalhar junto aos órgãos e instituições de apoio aos trabalhadores rurais e capacitar produtores em associações locais.
Em abordagem técnica, o Observatório da Caatinga (OCA), no estado da Paraíba, é um laboratório de pesquisa da UFCG/INSA cujo foco é o desenvolvimento de modelos computacionais, sistemas de detecção de mudanças ecossistêmicas e de coleta de dados para suporte de ações de conservação e produção na Caatinga.
Através do OCA realiza-se o monitoramento eficiente da irrigação, mensuram-se os impactos no clima regional decorrentes das mudanças na cobertura do solo e faz-se o mapeamento dos processos de desertificação. “As ações do OCA têm preenchido várias lacunas de pesquisa nessa direção a partir do entendimento do ecossistema e sua relação com o
clima, além da formulação de técnicas computacionais que nos permitem entender a dinâmica e resiliência da paisagem semiárida’’, informa John Cunha.
“A quantificação dos serviços ambientais, especialmente a capacidade de retenção de carbono e geração de água, é fundamental para quantificar os benefícios ambientais e econômicos
de conservar a vegetação da Caatinga e recuperar áreas degradadas. Este conjunto de informações estará disponível a gestores ambientais e a diferentes perfis de agricultores, visando
o aumento da produtividade, desenvolvimento de outras atividades econômicas e melhor aproveitamento dos recursos naturais”, explica o coordenador. As pesquisas contam com o apoio do Instituto Nacional do Semiárido, o INSA, e com financiamento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o Edital Universal e pelo Programa de Infraestrutura para Jovens Pesquisadores (Programa Primeiros Projetos - PPP), por meio da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba, a Fapesq, em parceria com o CNPq.
Umidade, temperatura e quantidade de água são verificadas
Trinta e quatro sensores em uma torre de 15 metros e próximo a ela, no solo, captam as informações que alimentam o banco de dados do Observatório da Caatinga. Essa torre está localizada em uma área de preservação do Instituto Nacional do Semiárido, em Campina Grande (PB). É um lugar apropriado, de acordo com os cientistas, para estabelecer os parâmetros de modelagens ambientais específicas para a Caatinga. Há outra torre com sensores a um quilômetro de distância e ainda câmeras que tiram fotos das folhas das plantas.
“A Caatinga não tem sido bem representada em modelagens climáticas globais”, ressalta John Cunha; isso se deve à ausência ou baixa ocorrência de publicações científicas, com dados verificados. A área do INSA é uma área de referência, mas a área de estudo do OCA é toda a Caatinga. “Quantificar como a Caatinga está funcionando a nível regional poderá apresentar melhoras aos modelos de impactos globais”.
Cada equipamento na torre tem um componente importante nessa medição do clima da Caatinga e oferece respostas para os processos de modelagem globais e, muito importante, já estão certificados cientificamente. “No solo, estamos monitorando até 50cm abaixo da superfície. A cada 10cm mede-se umidade, temperatura do solo; com isso, podemos conhecer a quantidade de água que está sendo retida e a temperatura”.
“No nível superficial temos os fluxos de calor no solo, monitoramos a atividade biofísica do solo, com a respiração do solo, a quantidade de carbono e água que está sendo ativada no solo. Conseguimos descobrir qual é a parcela viva do solo que está contribuindo com a parcela viva de carbono naquele local. Através das imagens acompanhamos a produção vegetal, o ciclo das folhas.”
“Ao longo da torre, sabemos o gradiente de temperatura. No nível mais alto, temos os sensores que fazem a contabilização desses fluxos de energia que chegam à superfície, medem a quantidade de sol que chega. Quantificamos essa radiação disponível para o ecossistema. E temos também, no último nível da torre, sensores que medem carbono, água, temperatura e velocidade do ar em 10 milhas por segundo. Assim, conseguimos saber o deslocamento de cada partícula de água e carbono na atmosfera ao redor da torre.”
“Nós temos modelos de evapotranspiração que podem ser aplicados em qualquer lugar da Caatinga; melhoramos os modelos globais e já estão aplicados à plataforma”, esclarece John. A evapotranspiração é fonte de informação para vários processos ambientais.
“Estamos instrumentalizando esse local com um monitoramento detalhado para entender como funciona o ecossistema e poder remodelar em qualquer outro ponto”. Os equipamentos nas torres são o laboratório de campo, mas dentre os principais estudos do OCA estão análises de imagens de satélites. As informações são validadas por meio dos sensores em campo. Com isso, o OCA identificou a captura, em média, entre 1,6 e 2 toneladas por hectare por ano de retenção de carbono, na Caatinga.
“A Caatinga é um ambiente muito mais difícil de modelar, se comparado, por exemplo, com a cana-de-açúcar, que é mais uniforme. Nesse espaço onde estão os sensores, do tamanho de 50m X 100m, tem 30 espécies vegetais diferentes. Numa plantação de cana-de-açúcar, por exemplo, tem apenas uma. Com o modelo funcionando bem em áreas complexas como a Caatinga, ao projetarmos para áreas mais simples temos muito mais facilidade de operar”.