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Meio Ambiente

Caatinga diminui o efeito das mudanças climáticas

publicado: 24/07/2020 18h18, última modificação: 27/07/2021 20h47
Vegetação da região do Semiárido absorve o dióxido de carbono com mais eficiência do que outras matas
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Bergson Bezerra e equipe em frente a torre de medição
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Cenas ao redor da transposição - Fotos: Mano de Carvalho
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Cenas ao redor da transposição. Fotos: Mano de Carvalho
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Prof. Bartolomeu e equipe.
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Torre de medição
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Prof. Bartolomeu
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Pode não parecer, mas a vegetação preservada da Caatinga absorve o CO2 da atmosfera com mais eficiência do que outras matas, inclusive florestas úmidas, como da Amazônia. Tal serviço ambiental ajuda a diminuir o efeito estufa e, por consequência, influencia de maneira positiva para mitigar as mudanças climáticas. A afirmação é comprovada por pesquisa científica feita no Semiárido, publicada em junho de2020. A escassez de água na região é tanta quanto a ausência de pesquisas, embora cada resultado surpreenda e revele a importância de um lugar onde vivem mais de 27 milhões de pessoas em 1.262 municípios (MDR 2019).

Se uma frota de 23.500 veículos Flex novos, com motor de 1.0 a 1.4, der uma volta completa na Terra vai lançar em torno de 50 mil toneladas de CO2 na atmosfera. Essa quantidade - 50 mil toneladas de CO2 - é o que foi absorvido pela "mata seca" da Caatinga em uma área de 1.163 hectares (cerca de 10 quilômetros quadrados), durante dois anos, na Estação Ecológica do Seridó (ESEC), em Serra Negra do Norte, no Rio Grande do Norte. Para se ter uma ideia da quantidade, no município de Cabedelo, Região Metropolitana de João Pessoa (PB), circulam pouco mais de 26 mil veículos de todos os tipos (IBGE 2020) emitindo dióxido de carbono diariamente.

O cálculo feito à pedido da reportagem para o coordenador de um projeto de pesquisa iniciado em 2014 sinaliza a importância global da Caatinga para a mitigação das mudanças climáticas. O artigo do pesquisador Bergson Bezerra (UFRN), produzido com outros 16 cientistas, foi publicado em junho de 2020 pela Scientific Reports, publicação conceituada internacionalmente.

O estudo investiga o papel das florestas secas na mitigação dos impactos do aquecimento global e quantifica o potencial das florestas quanto a ser um sumidouro ou uma fonte de CO2. A área da ESEC-Seridó, onde foram captadas as medições, é uma unidade de conservação onde há uma sede do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

A aparência das florestas preservadas da Caatinga são bem diferentes das outras matas, como a floresta Amazônica, por exemplo. Folhas pequenas, espinhos, vegetais baixos, caules estreitos entranhados num solo seco, poeirento, contrastam com a vegetação abundante de uma floresta úmida. À primeira vista, não parece que exista grande atividade de fotossíntese; contudo, nesse processo natural as florestas secas consomem mais CO2 do que é liberado e, no final das contas, subtraem com maior eficácia o principal gás responsável pelo aumento da intensidade do efeito estufa. A "mata seca" é um sumidouro de CO2 em quase 100% do tempo. Diferente das outras florestas que podem ter períodos em que geram mais CO2 do que consomem durante a fotossíntese.

Bergson Bezerra explica que o gás carbônico produzido pelas atividades humanas - mobilidade, industrialização - não tem uma compensação natural. A quantidade lançada diariamente acaba somando aos gases que compõe o efeito estufa e daí pioram os problemas. “O efeito estufa, na verdade, não é um vilão; é um efeito natural de extrema importância que permite que tenhamos as formas de vida que temos; faz o controle térmico da Terra.”

“A intensificação do efeito estufa quer dizer que a atmosfera está retendo mais calor do que o necessário - continua Bergson - e vai ter que dar vazão a esse calor; o caminho para isso é ir de volta para a superfície. O resultado é o aquecimento global - o aumento das temperaturas médias globais. Uma das consequências do aquecimento global são as mudanças climáticas, o que, por sua vez, provoca distúrbios em todos os aspectos da vida, fauna, flora, vida marinha, terrestre...”

Nessa live da Associação Caatinga o professor Bergson explica em detalhes.

 Cenas ao redor da transposição - Fotos: Mano de Carvalho


Aquecimento global deve ter limite de 1,5º C até 2030, de acordo com a ONU


Embora haja suspeitas, ainda é difícil afirmar, empiricamente, se algum evento climático é ou não consequência do aquecimento global. Bergson Bezerra traz um esclarecimento em consonância com a comunidade científica: “O que pode ser considerado um resultado das mudanças climáticas? Sempre houve intempéries. A compreensão dificulta porque as ocorrências não são uniformes, em todos os lugares, nem se conseguiu detectar uma regularidade. A chave é a frequência e a intensidade com que os eventos ocorrem. O aumento desses fatores é evidência das mudanças climáticas".

Contudo, as pesquisas científicas comprovam que o Planeta está aquecendo. De acordo com documento do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, em inglês) “cada uma das três últimas décadas tem sido sucessivamente mais quente na superfície da Terra do que qualquer década anterior desde 1850”. O Relatório conclui que a mudança climática é real e que as atividades humanas são a sua principal causa.

Para o IPCC, os impactos do aquecimento global no Planeta para as pessoas e ecossistemas naturais podem ser melhor absorvido se o aquecimento global for limitado ao aumento de até 1,5°C de temperatura, o que “exigiria mudanças rápidas, profundas e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade. Para equilibrar o efeito estufa as emissões globais líquidas de dióxido de carbono causadas pelo homem (CO2) precisariam cair cerca de 45% em relação aos níveis de 2010, até 2030, atingindo o ‘zero líquido’ por volta de 2050. Isso significa que quaisquer emissões remanescentes precisariam ser equilibradas pela remoção do CO2 da atmosfera”, alerta o documento.

 

Áreas desertificadas na Caatinga são fonte de CO2

O Semiárido brasileiro é um cenário que retrata o futuro das florestas úmidas, o que seriam depois de terem sofrido por causa do aquecimento global. Por outro lado, o Caatinga, é um bioma natural, com circunstâncias climáticas e geográficas que sustentam a vida. Plantas e animais se adaptam aos períodos de seca. E seres humanos?

Cenas ao redor da transposição. Fotos: Mano de CarvalhoPouco antes de completar 90 anos, a sertaneja Zabé da Loca contou em uma entrevista a saga de sua trajetória como retirante. Tal como personagens de Graciliano Ramos em “Vidas Secas”, a família de Zabé deu as costas para o pouco que tinha no interior de Pernambuco em troca da sorte de encontrar um lugar com melhores recursos para sobreviver. Zabé foi parar na Serra do Tungão, próximo de Monteiro, no Cariri paraibano. Ali, quando chovia, enchia de água as depressões dos lajedos em cisternas naturais. “Nessa serra sempre teve água da chuva que empoçava nas pedras. Mas tinha anos que não encontrávamos água em canto nenhum. Esperava caminhão pipa que não chegava ou caminhava muito até o barreiro”, falou, com sotaque sertanejo carregado, a voz grave, entre baforadas do cigarro. Zabé morou por 25 anos em uma "casa" montada em uma gruta do lajedo, a "loca", de onde conquistou reconhecimento internacional como tocadora de pífano. 

A área onde Zabé morou se tornou o maior assentamento de agricultores da Paraíba, o Santa Catarina, onde cerca de 260 famílias foram assentadas em 1995 e hoje vivem mais de 3 mil pessoas. Zabé conquistou naquele ano seu lote de terra, sua casa, onde recebia o magote que subia pra cantar e tocar, em festa; mas jamais se livrou do desconforto da falta de água até sua partida para sempre, em 2017, aos 93 anos. O Cariri tem áreas onde o solo aponta alta intensidade de desertificação. É nessas condições que os agricultores persistem em plantar e, quem sabe, colher.

Pioneiro em pesquisas no Cariri, o professor Bartolomeu Israel de Souza verificou cientificamente que o solo em processo de desertificação absorve menos água do que o solo preservado. “O Cariri tem 29 municípios. Cerca de 70% da área está com o solo comprometido em algum grau de desertificação. Esses solos perdem ou têm alterados elementos químicos e físicos afetando a pouca vegetação. A capacidade de armazenar água diminui e, por isso, é muito mais difícil recuperar.

A relação com as mudanças climáticas, nesse caso, é a Caatinga como fonte geradora de carbono. A parca vegetação não compensa a absorção do CO2 na atividade de fotossíntese e resulta em conta negativa quando o solo libera seus gases. O excedente de CO2 é o malfeitor do efeito estufa.

Em outra pesquisa, a equipe de cientistas coordenada por Bartolomeu de Souza verificou que nas regiões desertificadas a temperatura superficial do solo deu saltos de até 7º C de aumento entre os anos de 1989 e 2005. Na maior parte da área estudada, no Alto Curso do Rio Paraíba e APA do Cariri, a temperatura superficial do solo passa dos 35º C - um ambiente onde quase nenhuma semente de espécies vegetais naturais (endêmicas) da Caatinga germina. "A temperatura máxima no solo que as sementes suportam é de 30ºC", esclarece Bartolomeu.

No Brasil, segundo o Ministério do Meio Ambiente, as áreas onde os processos de desertificação estão mais avançados são os denominados Núcleos de Desertificação no Semiárido Brasileiro: Seridó, (RN/PB), Cariris Velhos (PB, onde está Monteiro), Inhamuns (CE), Gilbués (PI), Sertão Central (PE), Sertão do São Francisco (BA).

Aldrin Martin Perez-Marin, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (INSA) e co-autor na pesquisa com Bergson, fala que “estes núcleos se constituem na fiel expressão da inadequação ou ausência de práticas adequadas, quando da interação entre as ações produtivas e os recursos naturais disponíveis.” Ou seja, usa-se os recursos até a exaustão.

Ele destaca a existência de áreas suscetíveis à desertificação em 1.488 municípios brasileiros, muitos deles fora do Semiárido: “Em geral, esses núcleos são áreas com grandes manchas desnudas, presença ou não de cobertura vegetal rasteira e sinais claros de erosão do solo. No entanto, existem outros locais com aparência de degradação semelhante, porém, ainda não reconhecidos como núcleos”, alerta Aldrin, que atuou como Correspondente Científico do Brasil junto à Convenção das Nações Unidas para o Combate da Desertificação (UNCCD).

Viver melhor, ou bem viver?

A solução, segundo o pesquisador do INSA, está em ações para influenciar ou mudar o comportamento cultural, social, econômico e político da sociedade atual. “A sociedade de consumo é uns dos mais tenebrosos inventos do atroz sistema econômico imposto ao mundo. Todo esforço para combater a desertificação é incompatível com o sistema econômico predominante. Nessa perspectiva, precisamos mudar o enfoque linear de desenvolvimento humano, também chamado como “Viver Melhor”, pelo enfoque denominado por “Bem Viver”. O emprego de técnicas sustentáveis de manejo agrícola e tecnologia são recursos que o sertanejo pode alcançar na Paraíba, por meio de instituições como o próprio INSA, a Empaer-PB, as universidades, entre outros. E ainda, conhecer mais o bioma através das pesquisas científicas é o caminho para preservar.

 

Por Márcia Dementshuk