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ASTRONOMIA
Bingo se juntará a outros radiotelescópios famosos do mundo
Renato Félix
Quando se fala em telescópio, o senso comum logo imagina um pesquisador olhando para as estrelas através de um instrumento enorme com lentes. Mas existem os radiotelescópios, através dos quais também se pesquisa o espaço, mas de outra maneira: captando ondas de rádio e as “traduzindo” em imagens. Esta semana foram apresentados detalhes sobre a instalação de um radiotelescópio no município de Aguiar, o Bingo.
“O ponto principal é que a diferença de um radiotelescópio para um rádio de pilha, um rádio amador, um telefone celular, é a sensibilidade”, explica o astrofísico Carlos Wuensche, pesquisador da Divisão de Astrofísica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “São essencialmente a mesma coisa, mas os radiotelescópios são mais sensíveis: muitos trilhões de vezes mais sensíveis. Eles pegam um sinal no espaço, e o que agente tem fazer é decodificar esse sinal aqui na Terra”.
Único no Brasil, o radiotelescópio será fruto de um investimento de R$ 20 milhões, oriundo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e também do Governo do Estado, através da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FapesqPB). Aguiar foi escolhida através de uma intensa pesquisa que varreu o território brasileiro do sul para o norte, desde o norte do Uruguai. Mas o que Aguiar tem de especial para ser escolhida?
“É o que não tem”, conta o astrofísico. “Não tem poluição de ondas de rádio, celular, links de rádio, gente em volta que usa wi-fi”. Ele conta que, quanto mais distante da civilização, menos problemas desse tipo vão aparecer, já que o Bingo tem a ambição de captar ondas de rádio muito remotas no espaço. “A gente andou uns 3 mil quilômetros em linha reta até chegar em Aguiar”, diz.
O local escolhido, então, foi a Serra da Catarina, na zona rural do município. “Quando a gente foi à Paraíba, Luciano Barosi, professor da Universidade Federal de Campina Grande, fez um levantamento das áreas e da posição das repetidoras de telefonia celular”, conta Wuensche. “Então sabíamos os lugares que não eram contemplados pelas antenas”. Quando chegaram à serra, os pesquisadores se surpreenderam com a ausência de sinal: acharam até que seus instrumentos podiam ter quebrado. “A antena mais próxima fica a uns 20 quilômetros, e não fica na linha de visada”, conta. “Foi um susto, no bom sentido”.
A antena parabólica de espelhos do Bingo, do tamanho de um campo de futebol, não vai se mover: estará apontada para um ponto fixo no céu. O que vai se mover é o próprio céu. “O céu gira. E ele basicamente deixa o céu passar na frente”, explica o astrofísico. “O Bingo vai poder observa 1/8 de toda esfera celeste em 24 horas”.
Outro elemento da instalação são as cornetas, equipamento que coleta os sinais captados pela antena. O objeto, de 4,30 metros de comprimento por 1,90 metro de boca, recebe esse nome por causa de sua forma, que lembra o instrumento musical. “Serão 28 cornetas, que vão ficar numa espécie de engradado de cervejas”, diz. Em Campina Grande, há um protótipo já instalado, na UFCG. A montagem do receptor e dos testes é toda do Inpe, mas a ideia é que, no futuro, a universidade seja capaz de fazer ela mesma a manutenção do equipamento.
O acesso ao vale cercado ela serra, onde vai funcionar o radiotelescópio, não é fácil. Há um caminho, por causa de um açude próximo, mas uma estrada precisará ser aberta para permitir o acesso dos caminhões com os equipamentos. “A ideia é que a própria serra seja uma proteção e evite os sinais de rádio”, afirma o astrofísico.
O Bingo vai fazer parte de um grupo de equipamentos de pesquisa do espaço que é visualmente impactante. Alguns exemplos se tornaram ícones culturais, fazendo parte da história da astronomia e aparecendo até no cinema. “Alguns são até pontos de visita”, conta ele. Conheça aqui alguns deles.
Arecibo
O radiotelescópio localizado na cratera de um vulcão extinto em Porto Rico foi até 2016 o maior do mundo, com sua antena parabólica medindo 305 metros de diâmetro (foi superado por uma estrutura chinesa, com cerca de 500 metros de diâmetro). Estudava a ionosfera, galáxias, a astronomia dos pulsares. Através dele, descobrimos os primeiros planetas orbitando estrelas que não o Sol.
E até procurava sinais de vida extraterrestres. Em 1974, foi de lá que foi enviada uma mensagem a possíveis civilizações alienígenas com informações sobre o nosso planeta. Uma “mensagem na garrafa” espacial.
Inaugurado em 1963, deixou de funcionar em 2020, quando sua estrutura passou a ter problemas cujo conserto seria muito perigoso. “Ele colapsou. Mas fez boa ciência até ser desativado”, diz Wuensche. Em dezembro, ele simplesmente desabou sobre a própria estrutura. “Ele era sustentado por cabos de aço que acabaram se rompendo”. Uma morte dramática.
O observatório foi cenário de filmes mais de uma vez. Foi o clímax da ação no filme “007 contra GoldenEye” (1995) e foi de lá que a personagem Jodie Foster busca vida alienígena na ficção científica “Contato” (1997).
Parkes
Na Austrália, o radiotelescópio Csiro Parkes possui 64 metros de diâmetro e foi concluído em 1961. “Ele foi estratégico para o programa Apollo”, conta o astrofísico, referindo-se ao programa espacial americano cujo objetivo era levar astronautas à Lua.
Os americanos não conseguiam ter o tempo todo, de seu próprio país, o sinal vindo do nosso satélite natural: o Parkes recebia esse sinal e o retransmitia. O radiotelescópio foi fundamental para, inclusive, receber o sinal da transmissão de TV desde a Lua, quando a Apollo 11 chegou lá, e transmiti-lo para todo o mundo. A história do observatório com a missão Apollo rendeu um filme: “A Antena” (2000), produção australiana. O título original é “The Dish” (“o prato”), como este radiotelescópio é conhecido por lá.
Alma
Localizado no deserto do Atacama, no Chile. Aqui, o diferencial não é o tamanho, mas a quantidade. “Parece uma plantação de antenas”, diz. “São 66 antenas descobrindo formações planetárias fora do sistema solar. Detectaram um aminoácido no espaço”.
Alma é a sigla para Atacama Large Millimeter/submillimeter Array, capaz de captar radiação milimétrica ou submilimétrica. O local escolhido é uma das regiões mais secas da Terra e se tornou até um ponto do turístico: visitas podem ser agendadas.