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EMOÇÃO E RAZÃO

Arte e ciência trabalham juntas, do teatro ao carnaval

publicado: 15/11/2020 00h00, última modificação: 16/11/2020 18h02
As duas áreas, tidas como opostas, construíram parcerias importantes que ajudam na divulgação do conhecimento
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Espetáculo 'Insubmissas - Mulheres na Ciência' / foto: divulgação
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Espetáculo 'Vinte Mil Léguas Submarinas, Ufa!' / foto: divulgação
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Espetáculo 'Copenhagen'/ foto: divulgação
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Espetáculo 'Einstein'/ foto: divulgação
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Casa da Ciência da UFRJ/ foto: divulgação
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Casa da Ciência da UFRJ/ foto: divulgação
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Renato Félix

 

Arte é emoção, ciência é razão. Esse é um modo bastante comum de ver as coisas. Mas seriam mesmo dois opostos? Na verdade, não são poucas as vezes em que esses mundos se encontram. A ciência pode ser uma bela matéria-prima para a expressão artística. E a arte é uma divulgadora científica preciosa e que pode ir do didático ao inventivo. No Brasil, algumas experiências fazem uso dessa mistura.

“O ser humano desenvolveu formas diferentes de olhar, sentir e interpretar o mundo, a natureza e tudo que nos cerca. Ciência e arte nos ajudam a encontrar respostas para algumas de nossas questões”, afirma Fátima Brito, diretora da Divisão de Programas da Casa da Ciência, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Emoção e razão compõem a nossa humanidade e o tempo inteiro transitamos entre os dois. Como dizer que não existe emoção na ciência? E como dizer que não existe razão numa obra de arte? Esse diálogo é inevitável”.

A Casa da Ciência da UFRJ foi inaugurada em 29 de junho de 1995. “Nascemos como Casa da Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ –, um conceito inovador na época e ainda hoje nos museus e centros de ciência”, conta Fátima. “Ser uma casa foi fundamental para, na medida do possível, aproximar as informações científicas para o cotidiano de nossos visitantes, de nossas vidas”.

É a filosofia da apropriação social da ciência, que Fátima apresentou durante a conferência virtual Ágora, uma formação em políticas públicas para a ciência, direcionada aos colaboradores da Secretaria Executiva da Ciência e Tecnologia, idealizada pelo secretário executivo, Rubens Freire.

Com esse espírito de centro cultural ligado à ciência e tecnologia, a instituição sempre teve a arte como aliada para uma forma de interpretar o que nos cerca e que interfere diariamente em nossas vidas. “O grande desafio foi e é, em linguagem não especializada e compreensível para todos, fazer com que nossos visitantes se apropriem de informações científicas para que tomem suas decisões sobre os riscos e benefícios da ciência”, diz ela. “Ciência é feita de perguntas, de experimentações, de trocas e de muito trabalho. As parcerias nos possibilitou trocas incríveis de grande aprendizado e trabalhamos arduamente por acreditar que todas as ideias eram possíveis. E esses encontros e experiências construíram a história da Casa da Ciência da UFRJ”.

A instituição usa vários recursos para popularizar a ciência. “Ser um centro cultural nos possibilita o uso de linguagens distintas pra falar de um determinado tema, dos ciclos de palestras ao teatro, das exposições aos cursos e oficinas”, enumera. “Fizemos exposição de artes plásticas e de experimentos científicos. Encontramos muitas ciências na obra do Portinari, fizemos uma imersão na energia nuclear pra falar de seus riscos e benefícios, contamos as mudanças geológicas do planeta Terra através das sensações, artistas de hospitais psiquiátricos mostraram suas obras e a importância da arte em seus tratamentos, trouxemos a humanidade de Einstein através do teatro, fizemos o encontro da ciência com o carnaval e atualmente estamos com uma exposição de arte cujo tema é o Alzheimer”.

 

Ciência no palco

 

Uma dessas parcerias foi feita com Carlos Palma, ator, diretor e produtor, fundador do núcleo Arte Ciência no Palco, em São Paulo. Em 1998, ele atuava no monólogo “Einstein”, texto canadense em que o cientista falava sobre sua própria vida. A Casa da Ciência o convidou para apresentar a peça em um evento latino-americano de divulgação científica. Palma ficou um mês apresentando o espetáculo e em contato com outras atividades do centro cultural.

“Assisti conferências e, conversando com a (produtora) Adriana Carui, achamos que poderíamos manter esse projeto”, conta ele. Foi a partir daí que surgiu o núcleo, dedicado a montar peças que levam a ciência ao palco. Mas não de forma didática, escolar.

“Existe um certo preconceito com o teatro que fala disso. As pessoas acham que tem que ser teatro para apresentações em escolas”, afirma. “Sei que tem bons grupos que trabalham essa questão didática, porque tem esse objetivo. Somos voltados para o público geral que quer refletir até que ponto as questões da ciência estão no nosso dia-a-dia, das nossas angústias”.

A segunda peça do grupo foi a infantil “Da Vinci Pintando o Sete” (2000). Para as crianças, o esforço em evitar o mero didatismo também existe. “A gente evita qualquer tipo de explicação científica”, informa. “A ideia é tentar fazer com que a curiosidade da criança se amplie. Através do lúdico, estimular essa curiosidade”.

Em outras produções infantis, o grupo abordou a astronomia em “Big Big Bang Boom” (2010), revisitou Julio Verne em “20 000 Léguas Submarinas, Ufa!” (2004) e tratou do escritor Arthur Conan Doyle, que criou o personagem cerebral Sherlock Holmes ao mesmo tempo em que era um entusiasta do espiritismo, em “No Mundo de Arthur” (2014).

 

Física nuclear em Copenhagen

 

Mas a peça mais celebrada do grupo é “Copenhagen” (2001), uma produção de três horas de duração que trata de um misterioso encontro em 1941, em plena II Guerra Mundial, entre o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) e o alemão Werner Heisenberg (1901-1976).

Os dois cientistas são grandes nomes da física quântica e ganhadores do prêmio Nobel de Física (em 1922 e 1932, respectivamente). O encontro, depois do qual os dois amigos se distanciaram, teria tratado da construção da bomba atômica – Heinsenberg era chefe do programa nuclear nazista e, naquele momento, a Alemanha havia ocupado a Dinamarca (cuja capital é Copenhagen, onde acontece a conversa).

“Copenhagen” ganhou o Prêmio Qualidade Brasil de melhor espetáculo e melhor direção (para Marco Antônio Rodrigues) e indicação de melhor ator para Palma, além de indicações ao Prêmio Shell de melhor direção, cenografia e iluminação.

“Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), me mostrou uma crítica inglesa da peça. Foi quando a conheci”, lembra Palma. “É um espetáculo perturbador, que fala de ciência de uma maneira incrível. Trata da incerteza na vida do próprio autor do Princípio da Incerteza”. O Princípio da Incerteza de Heisenberg é um dos pilares conceituais da física quântica, segundo o qual não se pode determinar com precisão a posição e o momento de uma partícula.

Esta peça não está mais circulando, mas a mais recente produção do grupo pode ser assistida na internet. “Insubmissas – Mulheres na Ciência”, com texto de Oswaldo Mendes, trata da história de quatro cientistas. A física polonesa Marie Curie (1867-1934), foi pioneira na pesquisa da radioatividade e primeira mulher vencedora do Nobel. A química britânica Rosalyn Franklin (1920-1957), descobriu a estrutura do DNA, mas sua pesquisa acabou creditada apenas um colega homem do laboratório. A matemática egípcia Hipátia de Alexandria (c. 355-415), que foi diretora da Academia de Alexandria e foi assassinada por defender o raciocínio como lógica de pensamento. E a bióloga brasileira Bertha Lutz (1894-1976), que também foi política e discursou na ONU em defesa das mulheres cientistas.

“Insubmissas” foi apresentada virtualmente esta semana no Encontro Nacional de Centros e Museus de Ciências e continua disponível.

 

Ciência cai no samba

 

Carlos Palma foi Einstein mais uma vez em um palco bem diferente: a Marquês de Sapucaí. O ator interpretou o cientista no carro abre-alas do desfile histórico da Unidos da Tijuca, “O Sonho da Criação e a Criação do Sonho: a Arte da Ciência no Tempo do Impossível”, enredo vice-campeão de 2004. A Casa da Ciência da UFRJ sugeriu o tema ao carnavalesco Paulo Barros e prestou consultoria para a escola de samba.

“A Suely Avelar, do Projeto Portinari, é a responsável por promover o encontro do Paulo Barros com a Casa da Ciência”, lembra Fátima Brito. Em 2002, Paulo era carnavalesco da Unidos do Tuiuti e estava desenvolvendo um enredo baseado em Cândido Portinari, artistas que foi tema de uma exposição na Casa da Ciência em 1999. “Ela nos convidou pra conhecer o trabalho que estava sendo feito no barracão”.

Esse encontro deu samba. “Tínhamos o sonho de trabalhar ciência com as manifestações populares e o carnaval ainda era um amor platônico”, recorda. A Casa da Ciência se envolveu com aquele desfile. “Apaixonadas por carnaval, acompanhamos a construção daquele desfile inusitado: latas de tintas, garrafas de água mineral compunham as alegorias e ali havia uma plasticidade diferente”.

Em 2003, Paulo Barros estava na Unidos da Tijuca, no Grupo Especial (a “1ª divisão” do carnaval carioca). “Ousadamente, conversamos com Paulo e propomos um enredo sobre ciência. Ele riu e perguntou se estávamos loucas”. Mas insistência, muita conversa e muita pesquisa levou ao enredo que sacudiu o carnaval aquele ano.

“Era a história da capacidade do ser humano em ir além de seus limites, de sonhar e realizar! O presidente da Unidos da Tijuca ficou assustado com o tema e não acreditava em bons resultados. E foi lindo, inovador! Participaram do desfile pesquisadores e cientistas como, por exemplo, o físico Marcelo Gleiser e Roald Hoffmann, Prêmio Nobel de Química, e Antonio Carlos Pavão, químico e diretor do Espaço Ciência de Pernambuco”.