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Altas temperaturas ameaçam corais na costa nordestina

publicado: 24/04/2020 12h34, última modificação: 26/04/2020 20h31
Fenômeno de branqueamento preocupa ambientalistas, que apontam o aquecimento global como principal causa
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Corais do Seixas
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Coral branco
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Coral sadio
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Bióloga Marinha Karina Massei
Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal

 

 

 

Márcia Dementshuk

 

 Nos primeiros dias de março deste ano, antes do registro de casos por coronavírus em João Pessoa, a bióloga marinha Karina Massei fez um mergulho técnico nos corais do Seixas, na capital paraibana, como fazia quase diariamente. Karina foi surpreendida com um fenômeno conhecido, porém incomum na costa paraibana: o branqueamento massivo dos corais. Desde que começou a mergulhar com frequência no Seixas, há cinco anos, a bióloga nunca viu um branqueamento de forma tão abrangente, como ocorreu neste ano. Em contato com a rede de monitoramentos de corais do Nordeste ela constatou, com apreensão, que o mesmo ocorreu em todos os Estados.

“Sabemos que a principal causa do branqueamento acelerado dos corais foram as altas temperaturas deste verão, pois mesmo aqueles corais que estavam longe do turismo habitual apareceram esbranquiçados”, fala Karina Massei, excluindo a hipótese da degradação pelo turismo. Por trás está o aquecimento global - um evento natural nas diversas fases de existência do Planeta Terra, porém, acelerado atualmente pela atividade insustentável humana. “Situações que eram para acontecer ao longo de 25 ou 50 anos, estamos vendo agora”, diz Massei.

O fato é um alerta, indica que alguma coisa está errada e, se as condições normais não voltarem, os corais morrem. E se morrerem, o que acontece? Ficam comprometidas diversas espécies. Esses ambientes recifais não só abrigam os corais, mas também suportam uma infindável variedade de vidas - algas calcáreas, políquetas, esponjas, crustáceos, moluscos, peixes, tartarugas, até mesmo os mamíferos.

“E nós, humanos, estamos também conectados, fazemos turismo, retiramos alimento e até produtos fármacos - alguns animais possuem toxinas que nos servem como vacinas e outros medicamentos”, complementa Karina Massei. E ainda, os corais protegem o continente, pois ajuda a reduzir a força das ondas minimizando a erosão costeira.

 

 

Entre as causas do branqueamento está o aquecimento global

 

Por mais que todos pensem que o aquecimento global é algo natural e incontrolável, se nesse instante o mundo parasse de desmatar as florestas em 100%, mesmo assim, a providência não seria suficiente para frear o ritmo acelerado do aumento da temperatura. Isto só seria possível se os países também parassem imediatamente de queimar combustíveis fósseis, como gasolina ou diesel.

No caso dos corais, o calor global que atinge os oceanos provoca estresse e faz o coral expulsar as algas microscópicas que vivem em simbiose com ele. Essas algas, chamadas zooxantelas, são a principal fonte de alimento do coral; desnutrido, começa a perder sua coloração e branqueia, ficando mais suscetível a doenças. Essa é uma das hipóteses.

Ao chegar nessa etapa o coral ainda tem vida, mas demonstra que algo está errado e, se não houver correção, ele não resistirá. “Caso a temperatura da água retorne às condições normais em breve, os corais podem sobreviver a um evento de branqueamento, as zooxantelas podem repovoar o pequeno número que resta no tecido do coral, devolvendo os nutrientes e, por conseguinte, a cor normal. O problema é que alguns corais não sobrevivem por mais de 10 dias sem as microalgas. Outros são capazes de sobreviver por semanas ou mesmo meses em um estado branqueado, alimentando-se de plâncton. Mas eles, provavelmente, crescerão menos, diminuirão a capacidade reprodutiva e estarão mais suscetíveis a doenças”, ressalta Karina Massei.

Outros fatores locais podem fazer com que as microalgas se desprendam dos corais. Os pesquisadores apresentaram estudos baseados no aumento da poluição costeira, intenso fluxo de atividades humanas, pesca predatória, fazendo com que as algas não se sintam mais confortáveis com os corais e se soltam. Mas, segundo Massei, faltam investigações para compreender melhor a relação complexa desse ambiente.

 

Evento foi registrado em toda a costa nordestina

 

Esse branqueamento tem ocorrido em larga escala nos últimos 20 anos, embora nem sempre seja completo e nem sempre leve à morte da colônia. A perplexidade dos pesquisadores hoje é a quantidade de corais afetados. “Todas as espécies de corais que temos aqui no Seixas sofreram”, complementa Karina Massei.

A rede de monitoramento reúne projetos de diversos estados em torno do programa #DeOlhoNosCorais. O Projeto Conservação Recifal, de Pernambuco, detectou momentos em que a temperatura está fora da média histórica a partir de dados de satélite. Desde o início de 2020 o mar está mais quente.

No Rio Grande do Norte, o monitoramento do Projeto ReefBank apontou, neste mês de abril, que mais de 80% dos corais na área monitorada estão nessas condições. É uma imagem aérea impressionante ver os animais completamente brancos sob as águas cristalinas do mar. Pior: o branqueamento em massa foi e está sendo registrado por grupos de pesquisadores em cada estado nordestino.

 

 

Corais são animais da antiguidade, porém, pouco pesquisados

 

“Apesar de parecerem uma grande quantidade de rochas, nos recifes marinhos vivem um animal conhecido por coral. É considerado um dos mais antigos habitantes do Planeta Terra. Este animal fóssil resistiu a vários eventos e por habitar ambientes muito restritos, em mares tropicais de águas quentes, são excelentes indicadores das condições ambientais. Através deles, é possível compreender a história da Terra”, esclarece Karina Massei.

Esse animal é adaptado a viver em colônias e produz um esqueleto em sua volta durante toda a sua vida. Formam camadas e camadas que são bioconstruídas agregando outros organismos marinhos que também produzem carbonato de cálcio, como as algas calcáreas e as conchas. Quando os corais morrem, e as condições para a vida são favoráveis, novos surgem e dão origem a mais esqueletos.

O maior desses recifes no mundo é a Grande Barreira de Corais em Queensland, na Austrália, formada por cerca de 2.900 recifes e 300 atóis. No Brasil, os recifes de corais ocupam cerca de três mil Km de costa e as ilhas oceânicas. São as únicas formações existentes no Atlântico Sul. Existem 8 espécies de corais vivendo somente em mares brasileiros. Na Paraíba a maioria está bem próximo às praias.

Os recifes de corais do Seixas, são objeto de pesquisa da bióloga marinha Karina Massei, cuja tese de Doutorado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB/Prodema) buscou compreender como e quando esses recifes se formaram (geologia), como funcionam e interagem (bioecologia), e como são usados. “É importante conhecer para preservar e promover a ciência cidadã”, salienta Massei. A pesquisa teve apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq-PB), em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Pela abrangência, contou ainda com o apoio de pesquisadores do Laboratório de Estudos em Gestão de Água e Território (LEGAT/UFPB), de professores renomados e diversos laboratórios da UFPB e da UFPE, além do Aquário Paraíba e da Associação Náutica Extremo Oriental (ANEO). Atualmente, depende de recursos para a continuidade.

As Nações Unidas declararam para o período de 2021 e até 2030 a Década Internacional da Oceanografia para o Desenvolvimento Sustentável. A iniciativa visa ampliar a cooperação internacional em pesquisa para promover a preservação dos oceanos e a gestão dos recursos naturais de zonas costeiras. Atividades do decênio serão lideradas pela Unesco. Esperamos que não seja tarde demais.