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FAPESQ-PB, 30 ANOS
A força feminina no comando da Fapesq-PB
Renato Félix e Márcia Dementshuk
A Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq-PB) está em seu 12º presidente. Apenas em um período uma mulher ocupou a presidência até o momento: esta foi Maria José Lima da Silva, a 9ª presidente, exercendo o cargo de 19 de junho de 2007 a 27 de fevereiro de 2009. Ela substituiu Telmo Araújo, que passou apenas dois meses no cargo. Pesquisadora da área de biologia celular e genética e professora que passou pela UFPB, atualmente está na UEPB como assessora da reitoria e é exemplo do caminho percorrido pelas mulheres cientistas do Brasil e do mundo pelo reconhecimento de suas capacidades.
A professora assumiu a presidência da Fapesq-PB em um período de vacas magras: quase não havia recursos para investir nos projetos científicos do estado. “Embora no estatuto da Fapesq-PB estivesse previsto para a fundação 20% do Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia, a gente não conseguia receber todos esses recursos”, lembra. “Então, quando eu assumi, a gente tinha lá uma grande quantidade de projetos, programas, que eram feitos em parceria do Governo Federal com as fundações, e para os quais nós tínhamos que ter uma contrapartida”.
Assim, mesmo com investimento vindo de Brasília, o financiamento local de projetos se via ameaçado constantemente pela impossibilidade da contrapartida estadual. Era preciso um trabalho constante de bastidores em busca de verbas para que os editais pudessem finalmente viabilizar a pesquisa em ciência, tecnologia e inovação na Paraíba.
“Abríamos os editais, fazíamos a seleção de programas ou projetos, mas tínhamos muita dificuldade para conseguir a contrapartida para esses projetos”, conta ela. “Para alguns a gente não conseguia todo o recurso, mas parte dele”.
Aliado a isso, a equipe da fundação ainda era muito pequena. “Hoje quando eu vejo a equipe da Fapesq-PB, ela praticamente dobrou”, aponta a professora Maria José.
O dia-a-dia da fundação nessa época era equilibrar essa busca por recursos nos corredores e salas do Governo do Estado, em contatos com o Governo Federal, e o acompanhamento dos projetos que estavam em curso. “No dia-a-dia eu tentava fazer as análises, o acompanhamento, a solicitação de relatórios aos pesquisadores que tinham projetos financiados, buscar mais recursos, mais projetos junto ao órgãos federais e indo muito à secretaria buscar os recursos”, recorda.
Era uma rotina nada fácil. “Chegou uma época em que os recursos eram basicamente a manutenção administrativa da Fapesq-PB”, afirma ela, relatando uma situação difícil para um órgão destinado a investir na pesquisa. “Era muito desgastante para toda a equipe e também havia o meu constrangimento frente aos pesquisadores pelos quais lutávamos”.
Ainda assim, a Fapesq-PB conseguiu viabilizar alguns projetos que Maria José lembra com carinho. “Nessa época tínhamos o Programa Pesquisa para o SUS – PPSUS, existe ainda. Era um programa do Ministério da Saúde junto com as fundações estaduais”, conta. “Fazíamos reuniões com a Secretaria de Saúde do município para colocar as prioridades do Estado para o atendimento à saúde. Depois, abríamos os editais e repassávamos o dinheiro”.
Outra ação foi um programa de excelência, o Pronex. “Ele selecionava grupos de pesquisadores considerados de excelência no estado para que pudéssemos desenvolver pesquisa de ponta apoiada pelo CNPq, também com contrapartida da Fapesq-PB”, lembra.
Ela também aponta o PBIC Junior. “Era um programa muito interessante., nós tínhamos a seleção de pesquisadores por áreas para orientar alunos do ensino público estadual. Então os alunos já começavam a se interessar, a se engajar na pesquisa a partir desse envolvimento”, recorda. “A gente fazia um formulário, eles diziam do que gostavam mais – um era matemática, outro geografia... – e a gente buscava nas instituições, nas universidades públicas, pesquisadores que quisessem trabalhar com esses alunos. Esse programa a gente conseguiu executar muito bem até o fim”.
Os alunos apresentavam o resultado dos seus estudos e pesquisas. “Era despertar nos jovens, ainda antes de entrar na universidade, a busca pelo conhecimento e pela ciência”, diz.
Desafios da mulher na ciência
“O lugar de mulher é em qualquer lugar onde ela quiser estar”. Esse epíteto já popular também pode ser aplicado na área científica, onde a mulher pesquisadora precisa se virar com frequência em áreas onde elas são pouquíssimas, então são cercadas só por colegas homens sofrendo muitas vezes preconceitos e discriminações veladas ou abertas, e outras vezes precisando ainda lidar com os afazeres adicionais de casa, com que tantos colegas homens não precisam se preocupar.
“A mulher precisa sentir a importância e necessidade de mostrar que é capaz de desenvolver uma função de gestão”, defende a professora. “Pela minha experiência anterior como gestora na UFPB como chefe de departamento, coordenadora de curso, pró-reitora, talvez por isso fui convidada a esse desafio (de presidir a Fapesq-PB). A gente (as mulheres) quando assume em qualquer situação, vem o machismo que existe em nossa sociedade. A gente carrega conosco um peso histórico de cuidar da casa, das obrigações do dia-a-dia. Ainda paira no nosso inconsciente de que isso ainda é obrigação nossa”.
“Poderia dizer que isso é bastante estressante”, continua. “Há dados de quase metade das mulheres que assumem cargos têm sintomas de insônia e esgotamento e os homens menos. Isso tudo em função daquilo que a sociedade nos impôs historicamente: mulher tem que ficar em casa e cuidar dos filhos”.
Em todo caso, ela em particular conseguiu seguir em sua carreira acadêmica sem sentir qualquer tipo de preconceito. Na Fapesq-PB, em particular, não enfrentou qualquer resistência. “Acho que foi o contrário. Quando eu cheguei lá, as técnicas que ocupavam diferentes espaços ficaram muito felizes por eu estar lá”. E, embora haja caminho a percorrer, ela sente que passos importantes já foram dados. “Eu vejo pelas reitorias. Antigamente, só homens ocupavam esses cargos”, avalia. “Hoje já temos muitas mulheres ocupando esses cargos e é muito gratificante ver as mulheres nessas funções, desempenhando com muita competência”.
E esses passos já são dados pelas próprias mulheres há mais cem anos. Maria José lembrou alguns destaques como Marie Curie, Prêmio Nobel de Física em 1903, Nise Silveira, reconhecida pelo tratamento humanizado da saúde mental, Sonia Guimaraes, professora do ITA e primeira mulher negra doutora em física no Brasil professora do ITA. “E, bem recentemente, Jaqueline Góes de Jesus juntamente com Ester Sabino, responsáveis pelo primeiro sequenciamento genômico do virus da covid-19”.
Trajetória de pesquisa e gestão na academia
Maria José Lima da Silva começou a educação básica em Iracemápolis, pequena cidade do estado de São Paulo, nos anos 1960. Em 1971, começou a cursar a graduação no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro (SP). Em 1975, iniciou o mestrado em Biologia Celular e Estrutural na Unicamp, enquanto trabalhava como técnica de laboratório na PUC à noite.
Em 1977, ganhou o Prêmio Rafael Beiguelman, concedido anualmente pela Sociedade Brasileira de Genética, durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com parte de sua pesquisa. E nesse ano foi selecionada como professora colaborada do recém-lançado curso de Ciências Biológicas da UFPB. De 1981 a 1984, fez o doutorado em Genética na Unicamp, retornando depois à UFPB, onde, além de professora, foi chefe de departamento, coordenadora da pós-graduação em Genética, coordenadora geral de pesquisa, Ciência e Tecnologia, e pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa por 7 anos, entre outras funções de gestão.
Em julho de 2005, ela se aposentou da UFPB. “Em 2008, fui aprovada no concurso público para professor efetivo da UEPB para a vaga de Ciências Morfológicas do Departamento de Biologia, do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS)”, conta. Na estadual, foi pró-reitora de Planejamento, pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, de 2013 até 2020 e atualmente ocupa o cargo de assessora da Reitoria. Aliada a essas funções de gestão, nunca deixou de continuar com as atividades de ensino e pesquisa.
“A presença de Maria José na Fapesq-PB demonstra o empoderamento feminino, mas também uma tradição da fundação, que possui atualmente 70% do seu quadro formado por mulheres”, adiciona Roberto Germano, atual presidente da Fapesq-PB. “Mas Maria José demonstra também a representatividade da comunidade acadêmica dentro da fundação. Ela tem uma identidade muito grande com a comunidade científica. Ela, como foi pró-reitora de pesquisa, levou essa bagagem para dentro da fundação. E acho que a comunidade se sentiu muito bem representada”.