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Presidente da SBPC

“As pesquisas têm que ser para o bem das pessoas”

publicado: 09/01/2023 17h59, última modificação: 09/01/2023 18h01
Em entrevista, Renato Ribeiro aponta direções para o crescimento da ciência no país
Renato Janine

Presidente da SBPC, Renato Ribeiro, espera que o MCTI recupere o protagonismo

Andar em uma montanha russa com altos e baixos é uma diversão para muitos. Mas quando as descidas e subidas representam em um gráfico a curva histórica de investimentos em ciência e tecnologia no Brasil a diversão acaba. Conforme levantamento apresentado pelo ex-ministro Sérgio Rezende, entre 1980 e 2002, o zigue-zague do valor executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, FNDCT, (corrigido para 2017) se dava entre menos de R$ 2 milhões e R$ 1 bilhão, um valor muito abaixo do ideal para o desenvolvimento científico, considerado por especialistas. O Ministério da Ciência e Tecnologia, criado em 1985, foi extinto e recriado três vezes em governos distintos, ao longo desses anos. Nos anos seguintes a 2002 a ciência brasileira avançou. De 2003 a 2010 os recursos vindos do FNDCT quintuplicaram, comparados a 2002.

Mas o trenzinho da montanha russa que sobe devagar despenca na descida. Em 2019 o novo governo iniciou cortando o orçamento do CNPq. A consequência era o corte das bolsas de fomento à pesquisa atingindo mais de 80 mil bolsas, se o orçamento não fosse recomposto.  A Sociedade para o Progresso da Ciência, SBPC, entidade, que representa mais de 70 associações científicas, promoveu uma mobilização conduzindo mais de 900 mil assinaturas recolhidas para a Câmara Federal. Diante da aprovação de um suplemento pelos deputados, o Ministério da Economia teve que liberar o recurso para o pagamento das bolsas.

De lá para cá, muitas surpresas desagradáveis.                Cavando uma queda vertiginosa, em 2021 o governo contingenciou 91% do FNDCT que teve uma receia de cerca de R$ 6 bilhões. Na tentativa de defender seu contingente, a SBPC efetivou intervenções a cada investida para o bloqueio de recursos que deveriam ser destinados para a Ciência e Tecnologia.

“Historicamente, a SBPC atua no Legislativo e Executivo em defesa da ciência, tecnologia e inovação, intermediando os interesses da comunidade científica e agindo em defesa do estabelecimento de orçamentos e regras adequadas à expansão deste importante setor”,  informa o site da entidade.

Diante de uma nova perspectiva a partir do governo que inicia a SBPC indica caminhos para potencializar a pesquisa científica e a inovação tecnológica. O presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro amplia o cenário em entrevista exclusiva para A União e adianta: “Fazendo um paralelo ou uma metáfora, o que eu espero é que a gente saia daquela situação em que se procura curar a doença para uma situação em que se procura promover a saúde. Melhorar a qualidade de vida. E há uma grande chance de fazer isso com o MCTI.”

 

Quais as contribuições esperadas da gestão ministerial do MCTI, de uma forma geral?

 O que esperamos da gestão da ministra Luciana Santos é que o MCTI recupere o protagonismo na questão do aporte que a ciência pode fazer para a solução dos grandes problemas nacionais e mais até do que, digamos, resolver os nossos problemas, encaminhar as nossas soluções, as nossas vitórias.

 

Como se pode tratar de áreas estratégicas como Ciência, Saúde, Cultura, Educação, Meio Ambiente?

 Temos na SBPC um círculo virtuoso de sete elementos, os quais cinco foram enumerados. Além desses, eu acrescentaria tecnologia e inclusão social. Em um círculo virtuoso cada componente melhora os outros. Cuidado com o meio ambiente melhora a saúde. Mas a educação melhora todos os outros componentes, porque crescem a ciência, a saúde, a cultura. Temos que trabalhar para que o Brasil volte a esse período em que isso estava bem articulado. É interessante notar que a maior parte dos ministérios nesse enunciado é agora dirigida por mulheres, o que indica também um foco diferente, maior com o cuidado. Não é fortuito que o presidente Lula fala tanto em cuidar do Brasil, o que faz pensar na chamada ética do cuidado, que a estudiosa norte-americana Carol Gilligan tanto explorou como uma visão – dizia ela – mais feminina do mundo.

 

Como potencializar a utilização desse complexo de recursos para a pesquisa científica no Brasil, os chamados componentes do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação?

 O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação precisa de uma articulação um pouco diferente da do SUS e do Sistema Nacional de Educação que almejamos. No SUS e no Sistema Nacional de Educação se trata de articular as três instâncias – federal, estadual e municipal – ao passo que no Sistema de Ciência e Tecnologia são poucos municípios que têm uma atuação nesse tocante. Os estados têm, mas o principal é fazer que os componentes da União dialoguem entre si.

 

De que maneira isso pode se dar?

 Sob a liderança certamente do MCTI, ter uma articulação que envolva a Embrapa, que está no Ministério da Agricultura, a Capes, que está no Ministério da Educação, setores que estão no Ministério – que voltam a existir – da Indústria e Comércio... Até mesmo nas Forças Armadas há setores de pesquisas. Todos eles precisam estar bem articulados para que não haja desperdício de ação, de atividade, e que haja um foco. Isso supõe, por sua vez, que a gente procure definir uma nova estratégia nacional de ciência, tecnologia e educação, dado que a que foi aprovada em 2016 venceu no dia 31 de dezembro e foi pouco atualizada.

 

Destaque alguns pontos importantes para a construção dessa estratégia?

 Dessa estratégia, eu teria a dizer que deveríamos evitar que começasse com a questão da Defesa. Já foi um sinal do protagonismo crescente da categoria militar no governo Temer e que chegou ao paroxismo no governo Bolsonaro, com os militares tendo uma importância grande, sob forma de salários e vantagens pessoais, mas não exatamente na construção de um projeto nacional. Então nós precisamos que tudo isso tenha um foco comum. Defesa deve estar, mas não como única prioridade. E tem que haver mais elementos focados na questão das desigualdades sociais, da injustiça social, da miséria e da fome. As próprias ciências humanas não são destacadas atualmente e é delas que depende você conseguir melhorar muito da relação de convívio entre as pessoas – de comunicação e de construção da vida social.

 

Como a SBPC e posiciona frente ao financiamento de pesquisas por empresas?

 A maior parte dos cientistas da SBPC – e a própria entidade – é favorável ao financiamento da pesquisa. O que nós queremos cuidado são apenas duas coisas. As pesquisas têm que ser para o bem das pessoas. Nós não somos favoráveis à pesquisa de guerra, agressão ou de destruição. Pesquisa bélica não tem a nossa simpatia. Da mesma forma, nós queremos muito que os resultados da pesquisa sejam usados para o bem das pessoas e não para o mal. Isso significa, por exemplo, que qualquer controle da intimidade das pessoas por câmeras, etc., deve estar sujeito ao escrutínio social para que não se torne abusivo, deve ser muito bem discutido. Outro ponto: embora as empresas possam ter lucros com as suas pesquisas, deve estar muito claro que esses lucros não podem ser abusivos. Da mesma forma que, se o investimento da empresa significar que ela vai definir quais as pesquisas realizadas pelo setor público, isso tem que ser muito bem discutido. Tem que ser uma pesquisa realmente para o bem da sociedade e não uma na qual, digamos, uma empresa, com um pequeno aporte, consegue canalizar todo o foco de um laboratório de universidade pública. Isso não deve haver. Deve haver é uma atenção muito grande aos que são os propósitos maiores da ciência.

 

Falando em investimentos no setor de C, T &I, baseado nos debates consolidados pela SBPC, qual o valor que seria o ideal para os próximos quatro anos?

 O valor ideal deve ser em torno de 2% do PIB [é um consenso]. Agora, também é bom levar em conta que o nosso PIB precisa crescer. O Brasil sem crescimento econômico não consegue realizar as missões que tem que fazer em ciência, em tecnologia, em inclusão social, em educação. Se nós quisermos ter uma educação boa, temos que chegar aos 10% do PIB, do Plano Nacional de Educação de 2014 a 2024, que não foi aplicado – com raras exceções que eu próprio deslanchei, como a base nacional curricular. Mas o Plano Nacional de Educação teoricamente vigente fixava em 10% do PIB o que iria para a educação. Então nós temos que aumentar sensivelmente o PIB para que todo esse valor caiba.

 

E quais as estratégias para se alcançar esse valor dentro do orçamento federal?

 Antes de tudo, o protagonismo do Poder Executivo. Esses anos de crise levaram o Poder Executivo a perder muito do seu espaço em favor do Poder Legislativo e do Judiciário. É preciso que uma liderança comprometida com o futuro do Brasil restabeleça o papel do Poder Executivo que é aquele que foi eleito – na única eleição em que todos os brasileiros têm o mesmo peso, no voto de cada um – para dirigir o país. Que se retome o protagonismo do Poder Executivo e que esse seja capaz, dialogando com a sociedade, inclusive com as oposições, de definir rumos que geram uma política de ganhos para o maior contingente da sociedade. E faz parte disso nós deixarmos claro o quanto a ciência é relevante para que a vida das pessoas melhore.

 

Gostaria de deixar considerações finais?

 Uma coisa que tenho sempre dito é o seguinte: contra o negacionismo, devemos pegar, por exemplo, um smartphone e mostrar que a pessoa que usa um aplicativo de distância ou um aplicativo para saber a chegada do ônibus, ela só tem isso porque a Terra é redonda. Não teria GPS se a Terra fosse plana. Então, se nós conseguirmos mostrar que cada ganho de qualidade na vida está ligada à ciência, isso será bom.

Márcia Dementshuk e Renato Félix  - Assessoria SEC&T