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INTERCÂMBIO

Projetos de escolas trazem soluções aprendidas em Israel

publicado: 07/02/2021 00h00, última modificação: 08/02/2021 09h35
Professores que participaram do projeto Gira Mundo aplicam o conhecimento em iniciativas que estão na plataforma Renova Semiárido
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Acendedor de fogo solar, em São João do Rio do Peixe/ foto: divulgação
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Maquete de geodésicas, em Campina Grande/ foto: divulgação
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Professores paraibanos no Gira Mundo Israel/ foto: arquivo pessoal
Divulgação
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Renato Félix

 

As escolas da Rede Estadual de Ensino estão cheias de boas ideias, cada vez mais reconhecidas como tal. Seis delas estão na plataforma digital Renova Semiárido, lançada pelo Instituto Nacional do Semiárido (Insa) para relacionar as soluções em energias renováveis e sustentáveis na região. Esses projetos vão de dessalinizador de águas, de uma escola de Camalaú, a um fogão solar, de Patos.

Há, também, um biodigestor caseiro, na Escola Cidadão Integral Técnica Chiquinho Cartaxo, de Sousa; um acendedor solar, na Escola Cidadã Integral Técnica Coronel Jacob Guilherme Frantz, de São João do Rio do Peixe; tijolos e construções ecológicas, da Escola Ademar Veloso da Silveira, em Campina Grande; e o forno solar na Escola Cidadã Integral Senador Humberto Lucena, em Cacimba de Dentro. Além dos já citados: o fogão solar na Escola Cidadã Integral Auzanir Lacerda, em Patos, e o dessalinizador solar é na Escola Cidadã Integral Técnica Pedro Bezerra Filho, em Camalaú.

Quase todos os professores que coordenam esses projetos participaram do programa Gira Mundo, na edição que foi realizada para professores em Israel, em 2018. Lá, nesta edição específica, estiveram em contato com soluções voltadas exatamente para a vivência em locais áridos. “Na minha percepção, foi a edição do Gira Mundo professores que mostrou maior resultado criativo e impacto nas escolas e famílias do semiárido paraibano”, afirma o professor Arysttótenes da Silva Prata, gerente da 5ª Regional de Educação, sediada em Monteiro.

A razão, para ele, é natural: “Por representar uma modalidade de intercâmbio que possibilita que os professores participantes sejam capazes de mostrar resultados como criações, adaptações tecnológicas e ideias de grande potencial social para auxiliar e melhorar as condições de vida e de produção para o homem do campo”.

Os professores participaram de atividades teóricas e práticas no deserto de Negev, localizado na parte sul do país e ocupando cerca de metade dele. “Israel está localizado em uma região árida, o que torna as dificuldades geográficas potencialmente maiores que as nossas, que estamos no semiárido”, lembra o professor. “Ainda assim, em Israel existe alta produtividade de hortaliças, legumes e diferentes culturas, tornando o país uma grande potência em produção de alimentos, mesmo com índices pluviométricos menores que os nossos”.

O know-how israelense foi apresentado aos professores paraibanos através de aulas de permacultura (o desenvolvimento de sistemas produtivos organicamente organizados, sustentáveis e que não agridam o planeta), construções ecológicas e energias renováveis. “Muitas tecnologias que foram conhecidas por nossos professores em Israel foram adaptadas ou melhoradas, tornando-as ainda mais produtivas”, afirma o professor Ary.

“Ficamos num kibutz, que é como se fosse um pequeno distrito rural. Ficamos no Kibutz Lotan, no Vale Arabah”, conta o professor Herbert de Andrade Oliveira, que participou também do Gira Mundo no ano seguinte e coordena o projeto de construção ecológica na escola Ademar Veloso da Silveira, conhecido como o Estadual de Bodocongó.

“E lá nós vimos várias técnicas”, continua. “Construção com adobe (um tipo de tijolo feito artesanalmente de terra crua, água, palha e fibras naturais), estruturas geodésicas, o que aqui a gente chama de taipa, mas que lá eles fazem de várias formas diferentes. Ou construção de casas emergenciais com palets, com que, em caso de enchentes, você consegue construir dezenas de casas”.

 

 

 

Fogo direto do sol e construções ecológicas

 

Os projetos desenvolvidos pelas escolas da Rede Estadual de Ensino procuram soluções para necessidades da população que vive na região semiárida. “Podemos destacar o dessalinizador solar, que permite a produção de água potável e desinfetada, sem custo algum – apenas da montagem e vidros. Esta tecnologia social permite a melhoria da oferta de água para os estudantes”, conta o professor Ary.

“O acendedor solar é um mecanismo simples de ser construído e permite a combustão de madeira a partir dos raios solares”, diz. O professor Claudio Reinke trabalha o projeto com os alunos de Ensino Médio Técnico da escola, em São João do Rio do Peixe. Sua primeira edição do Gira Mundo também foi em 2018.

“No retorno, a gente já começou os trabalhos”, conta. “Construímos um protótipo no fim do ano, com a finalidade na época de utilizá-lo já na feira de ciências da escola. Para demonstrar os princípios da física, com o uso das lentes convergentes e o aproveitamento da energia solar”.

O acendedor de fogo solar parte de um princípio já mostrado várias vezes em desenhos animados: a concentração da luz solar através de uma lente que produz calor sobre um corpo e pode chegar até a combustão, dependendo do caso. Chama-se “lente de Fresnel”, tipo inventado pelo físico francês Augustin-Jean Fresnel e usado atualmente em vários objetos, de faróis de carros a óculos de realidade virtual.

O uso pode chegar ao derretimento de metais como chumbo e estanho. “Pode ser usado em fundição de pequenas peças”, afirma o professor Cláudio. “Você também poderia cozinhar pequenas porções usando esse foco. A gente sabe que todos os corpos negros absorvem mais facilmente o calor recebido, você concentraria o calor num ponto numa chapa metálica de cor escura, mas ele se espalharia pela chapa. Poderia perfurar alguns materiais. Com um protótipo desse em mãos, as pessoas teriam mais ideias e novas aplicações surgiriam daí”.

O professor Herbert Oliveira voltou-se para a área de construção ecológica. “Meu projeto individual era a construção na escola de um laboratório de tecnologias alternativas ou tecnologias sociais”, conta. “Que ele fosse um local experimental de divulgação e talvez até de produção de saberes nesse campo tanto da construção ecológica como de uma moradia, holisticamente falando, ecológica e socialmente justa”.

Ele começou a treinar em 2020 uma equipe de alunos que iria ajudá-lo na construção desse laboratório de low tech. Mas a pandemia interrompeu essa ação. Agora, ele propôs uma mudança: que esse laboratório seja construído numa cidade do Cariri. “A localização é icônica nesse sentido do semiárido. E não é tão longe da capital, e é próximo de Campina”, diz. A ideia é que o laboratório seja erguido com as técnicas aprendidas no Gira Mundo Israel e que ele se propõe a ensinar.

 

 

 

Educação adaptada à realidade local

 

Esses projetos também são representantes da chamada educação contextualizada. O currículo escolar e espaço de aulas ganham uma adaptação dos conteúdos escolares à geografia, tradições e identidades, no caso, dos povos do semiárido. “Em suma, é a união do ‘saber universal’ aos ‘saberes populares’, resultando em conteúdos educacionais que respeitem a cultura, diversidade e características próprias locais e essenciais na formação plena dos estudantes”, explica Ary Prata.

“Para além da sala de aula, a educação contextualizada para a convivência com o semiárido nos permite repensar a educação e seu produto como um todo”, continua. “Reafirma a identidade dos povos do semiárido e proporciona, de maneira acadêmica, a construção de conhecimento partindo da compreensão de ‘um novo semiárido’, com sua riqueza ambiental única, uma natureza resistente e bela, e principalmente, com potencial geográfico como em diferentes partes do mundo”.

Para ele é, sem dúvida alguma, uma “quebra de paradigmas”. “Permite que os estudantes possam vislumbrar e compreender que o semiárido é bem diferente do que foi apresentado e estudado historicamente”, diz Prata. Dessa maneira, preconceitos são derrubados, potencialidades são percebidas e inovações são incentivadas. “E, a partir disto, criar cenários de pesquisa e produtividade que resultarão em qualidade de vida para a nossa gente”.