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Metodologia diferenciada gera inovação na escola

publicado: 03/07/2020 18h26, última modificação: 06/07/2020 17h53
Escola Cidadã Integral desenvolve potencialidades dos alunos na área de tecnologia e com foco na sustentabilidade
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Arquivo Pessoal. Óculos Arduino
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Arquivo pessoal.
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Arquivo pessoal. Felipe e amigos no museu da escola.
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Arquivo pessoal. Felipe e amigos no museu da escola.
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Arquivo pessoal. Felipe e amigos no museu da escola.
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Arquivo pessoal.
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Arquivo pessoal. Compostagem pomar.
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Arquivo pessoal. Museu na escola
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Márcia Dementshuk

 

Chegara o período de chuvas em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba, e Filipe Cândido Soares Abrantes, observava a grama crescendo e virando mato. Os jardins da escola não estavam mais atraentes, o que incomodava o estudante, diariamente: “É só cortar essa grama...” ele pensava. Mas não havia cortador elétrico e o trabalho seria exaustivo manualmente.

“Eu tentei montar um cortador de grama usando um motor de liquidificador, arames e um cabo de vassoura. Não deu muito certo, mas ajudou”, contou Filipe. A diretora da escola em questão, Escola Cidadã Integral Crispim Coelho, a “Estadual”, professora Elizângela Paiva, revelou a modéstia do estudante: “Que nada! O cortador funcionou muito bem. Conseguimos aparar os jardins, arrumamos as plantas e ficou lindo. Sem isso nem teríamos começado o trabalho”, afirma.

E de onde veio a ideia de fazer a máquina?

“Eu vi um protótipo feito por um amigo – disse Filipe – e tentei melhorar. Ele fez um cortador de capim fixo, não tinha um cabo grande e não era muito eficiente pra cortar o capim. Eu resolvi acrescentar um arame, um cabo de vassoura, passei no mato e cortou.”

Filipe também montou um museu. Ele ouvia falar que aquela tinha sido uma escola muito boa, referência em Cajazeiras, mas passava por um período de descrédito. “Não havia muitas informações antigas sobre nossa história; eu não sabia a quantidade de troféus que a escola tinha. Estavam todos num galpão. Quando fui ver, tinha mais de 200, sem que ninguém soubesse. Fiz uma prateleira de palete para expô-los. Achei um mimeógrafo, uma máquina de escrever antiga. Consertei um retroprojetor bem antigo, com a lâmpada ainda funcionando! Achei um monte de disquetes; uma TV preto e branco, de 6 polegadas e as fichas dos 10 primeiros alunos da escola”.

Nome: Museu ENAT – Estadual nos Ares do Tempo. Foi um projeto para a Feira de História, feito em grupo. É possível fazer uma visita ao ENAT, que fica em uma das salas da escola, quando a pandemia passar. Filipe ainda consertou ventiladores e fez uma série de coisas. Aprendeu por conta própria e contou com o apoio dos professores no que precisava.

Hoje com 15 anos, no 1º ano do Ensino Médio, onfrontado com a necessidade de equipamentos para o tratamento da covid-19, Filipe projetou um respirador mecânico, mas por enquanto não conseguiu tirar do papel por causa da interrupção das aulas presenciais. Ele precisaria de recursos dos laboratórios de química e de robótica.

“Nas escolas por onde passei as pessoas não davam a chance de eu exercer um protagonismo.  Agora eu sei que tenho capacidade de criar soluções e até ajudar minha família nesse momento difícil. Na hora que a senhora me ligou eu estava indo até a estrada, deixar um pedido.” A mãe de Filipe está fazendo um tratamento custoso para recuperar-se de problemas na coluna. Seu pai  trabalha como motorista de ambulância. Para fechar as finanças da família ele tiveram que sair da cidade de Cajazeiras e se mudaram para um sítio em um pequeno município vizinho, um pouco distante. Mas Filipe já acertou um lugar para dormir em Cajazeiras durante a semana, quando as aulas voltarem. Enquanto isso, além de continuar “inventando” e acompanhando as aulas não presenciais, ele montou um empreendimento caseiro: produz pastéis (ele cozinha) e vende por encomenda, com caldo de cana. Uma solução temporária, até que a mãe fique bem.

  

“Agora, são 279 sonadores”

 

“Nossa escola era desacreditada – conta a diretora Elizângela Paiva – uma escola de 59 anos, mesmo com um currículo imenso de vitórias. Depois de uma reforma e da implementação do modelo integral, começamos o ano letivo de 2019 com 63 alunos, desmotivados, pais desconfiados… No entanto, sabíamos que o que esses jovens queriam era que suas vozes fossem ouvidas, que alguém acreditasse neles e sonhassem com eles seus sonhos. Dando oportunidades, ouvido-os e sonhando juntos, esses meninos e meninas têm outra perspectiva. Hoje temos 279 sonhadores.”

Francisco José Ferreira da Silva , hoje com 18 anos, sonhou tanto que fez, no ano passado, um óculos sensor que avisa pessoas cegas quando há um obstáculo à frente. É um complemento para a bengala sendo que esta, identifica o que está próximo ao chão; o óculos emite um sinal sonoro quando o obstáculo está sensível da cintura para cima.

“Os professores deram o desafio de trabalharmos em grupo em algum projeto que trouxesse benefício para pessoas. Daí veio a ideia do óculos, reconhecendo a dificuldade das pessoas cegas. Nó tivemos aula de robóticas e aprendemos algumas coisas de arduíno (software usado para programar os sensores); também aprendemos coisas pela Internet e montamos o óculos”, narra Francisco.

Agora em quarentena, em casa, Francisco está testando um gerador de hidrogênio que substitui o combustível fóssil de veículo automotor. Ele enviou um vídeo mostrando o equipamento instalado em uma motocicleta, funcionando perfeitamente. “Não repara, é um protótipo”, justificando os fios do gerador, ainda em construção.

Mesmo que se incentive outras habilidades, não apenas disciplinas como Matemática ou Português que não perdem suas importâncias no currículo, a escola registra aumento nos índices escolares: O Ideb saltou de 2,6 para 4,9. É a segunda melhor escola na 9ª Regional de Ensino da Paraíba em resultados do ENEM e entrou para o ”TOP 10” entre todas as escolas da cidade, públicas ou privadas em resultado.

 

Metodologia inovadora

 

A deputada Rosa Neide (PT-MT), da Frente Parlamentar em Defesa da Escola Pública e em Respeito ao Profissional da Educação, contou que por volta de 2013 havia um movimento dos grupos representativos da educação em visitas à Finlândia, para verificar qual seria o motivo do sucesso da educação naquele país e tentar aplicar na educação brasileira. A declaração foi feita em palestra durante a Semana da Ciência e da Educação Pública Brasileira, realizada no final de junho. Segundo a deputada, descobriu-se que a formação dos professores de ensino básico finlandês era, no mínimo, em nível de mestrado e que os salários da categoria eram os melhores do mundo. Descobertos esses quesitos – reconhecidamente inatingíveis para a realidade brasileira – acabaram as investigações no país escandinavo. Não para educadores paraibanos.

A O Governo do Estado da Paraíba, por meio da Secretaria Estadual da Educação e da Ciência e Tecnologia (SEECT), enviou o primeiro grupo de professores em intercâmbio pelo Programa Gira Mundo em 2017. Giovania Lira, uma das professoras integrantes desse grupo, disse que o objetivo era identificar metodologias inovadoras. “Nós saímos da Paraíba com a proposta de voltarmos com um produto na área do empreendedorismo educacional”, revelou Giovania. Mal sabia que sua vida e a vida dos outros intercambistas, estava prestes a ser impactada.

O grupo vislumbrou uma metodologia diferenciada aplicada no Hemisfério Norte do globo terrestre e trabalhou na adaptação para a realidade do nordeste brasileiro. “Depois de passarmos um período na  Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere, na Finlândia (TAMK, na sigla em finlandês) entendemos que o empreendedorismo está relacionado com desenvolvimento de vida. É o empreender juntamente com o ‘ser’. Como eu posso ‘ser’ um agente de impacto?”, explicou a professora Giovania.

Lado a lado com a professora Iolanda Cortez, colega de intercâmbio, a equipe da SEECT modelou uma estratégia diferenciada de ensino que inicia confrontando o estudante com seu futuro: “qual o seu projeto de vida?” A partir daí, a trajetória inicia no presente, com ações destinadas a moldar um caráter autoconfiante, solidário com o próximo e com uma visão de desenvolvimento sustentável.

Enquanto os estudantes “sonham”, planejam o futuro racionalmente. Durante o primeiro ano do  Ensino Médio os estudantes participam da disciplina “Colabore Inove”, onde se deparam com conceitos de  empreendedorismo, ferramentas de planejamento, de gestão, além de descobrirem a existência de uma mobilização global considerando os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis, diretrizes da ONU para alcançar metas até o ano de 2030 que garantirão melhor qualidade de vida para a população do Planeta.

Essa metodologia adaptada começou a ser empregada nas Escolas Cidadãs Integrais e as Técnica, em 2017 e vem sendo aperfeiçoada. Existem 229 Escolas Cidadãs na Paraíba (35,44% da rede): 100 são integrais técnicas (ECITs) e 129 são propedêuticas (ECIs). Os estudantes da ECI Crispim Coelho, Filipe e Francisco, gostariam que todos os alunos pudessem, uma vez na vida, ter essas experiências.

O professor da disciplina Colabore Inove, Renato Nunes, que também dá aulas de Física, fala do quão gratificante é presenciar esse desenvolvimento: “Essa disciplina foi iniciada no ano passado para nós e foi um desafio. Vai além da construção de produtos. Temos experiências com serviços, como o ‘Corte de Cabelo Solidário’, feito no ano passado. Os jovens passam por experiências de vida. Eu era apenas professor de Física e hoje sou professor de vidas”.