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1º Festival da Cultura Indígena mostra força dos povos originários na PB
A energia de um povo original, consciente da sua identidade e capaz de defendê-la em qualquer circunstância, é uma coisa impressionante de se ver e, sobretudo, sentir. No caso dos indígenas brasileiros, os verdadeiros donos da ‘Terra do Pau Brasil’, esse sentimento reúne um misto de beleza, mistério e drama.
O mistério é o que compõe o respeito ao sagrado e à própria Terra, a sua cultura religiosa, talvez a mais pura que tenhamos até hoje em solo verde-amarelo. O drama é o que vivem hoje, sendo alijados e explorados em seus próprios domínios, cuja área diminui cada vez mais. Mas a beleza das cores que produzem, dos costumes simples e da grande energia para lutar por seus direitos, entregam uma leveza sem igual.
Esses sentimentos afloram quando se vê 2,5 mil pessoas dançando o toré, orando em tupi e pintando corpos com sementes do mato. O 1º Festival da Cultura Indígena, realizado pela Secretaria de Estado da Cultura, em Rio Tinto, garantiu essa viagem sensitiva e pedagógica.
O evento foi considerado um sucesso pelos próprios nativos, quando o colegiado de caciques presentes na festividade classificou-o como o melhor realizado em suas terras.
O domínio originário, antes dos brancos
Antes da chegada do colonizador branco ao Brasil, a terra correspondente ao que é hoje a Paraíba, era habitada por integrates das etinias indígenas Cariri, Potiguara e Tabajara. Além de outras classificadas como integrantes dos ‘lingua presas’, povos que não falavam o Tupinambá, explica a pesquisadora e escritora Vilma Martins, professora de Literatura Brasileira na Universidade Federal da Paraíba.
Os povos Potiguara são, desde sempre, os ‘senhores do litoral’ porque suas aldeias dominaram essa faixa de terra a partir do Rio Grande do Norte, passando pela Paraíba e seguindo o rumo Sul.
“Eles dominaram essa faixa de terra não só territorialmente, mas sobretudo, cultural e religiosamente. Já os Tabajara, vieram do que hoje é o Ceará e se instalaram principalmente na área do atual Município do Conde, enquanto os Cariri ocuparam as áreas do Sertão e Cariri, sendo conhecidos como ‘senhores da terra’, porque se fixaram onde chegaram e não tinham hábito nômade”, explica Vilma Martins.
Boa notícia, e uma preocupação
A professora Vilma Martins comemora o atual momento, que classifica como de avivamento da cultura indígena. “Hoje eles estão exigindo mais seus direitos, indo à luta. Depois de gerações sendo massacradas – e ainda são – os povos indígenas estão perdendo o medo. Têm consciência da sua importância e de que são os reais donos das terras brasileiras”.
Ela, entretanto, externou uma preocupação: “Muitos indígenas têm entrado para religiões, principalmente a evangélica. Isso é complicado”. Sobre isso, a gerente de Articulação Cultural da Secretaria de Estado da Secult, Mariah Marques, afirma que compreende a preocupação da professora, porque há indígenas que não apenas entram para essas religiões, como também querem impor seus novos preceitos à aldeia. “E a verdade é que os seus companheiros não querem isso, e se mantém fieis à cultura religiosa originária”.
10 horas de imersão
O 1º Festival da Cultura Indígena aconteceu no dia 6 de agosto, no pátio do Casarão dos Lundgren, moradia de verão construída por essa família, que investiu em fábrica de tecidos e outros negócios, no início do século passado. Localizada dentro do território Potiguara, a construção é tombada pelo Patrimônio Histórico. A festa teve ainda apoio das prefeituras municipais de Rio Tinto, Marcação, Baía da Traição e Conde.
Das 9h às 19 horas, passaram pelo palco e terreiro 29 apresentações de dança, teatro, cantoria, lapinha, burrinha, toré, ciranda e coco de roda. A festa dos povos originários paraibanos atraiu, também, visitantes do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, entre eles jornalistas.
Uma comitiva de Paulista (PE), onde os Lundgren também mantiveram empresa, acompanhou o Festival, com fotografias e filmes para apresentação em evento posterior, incluindo escolas do município.
Arte de encher os olhos
Enquanto nas tendas do artesanato o público via e comprava peças criadas nas aldeias Potiguara e Tabajara, nas tendas da culinária se deliciava com beijus, tapiocas, bolos e mugunzá.
Entre as atividades que mais atraíram a atenção e participação do público estava a pintura indígena, que se utiliza de tintas naturais extraídas do urucum e do jenipapo. O urucum dá vários tons avermelhados, enquanto as sementes do jenipapo produzem o preto.
Os indígenas associam as duas cores em pinturas vistosas nas costas, peito, pernas, braços e rosto. E o público seguiu esse ritual, fazendo fila para a pintura corporal.
O toré foi o ritual mais apresentado pelas aldeias participantes do Festival. A dança mais conhecida dos indígenas surgiu em vários momentos: houve o toré dos caciques, abrindo o Festival, e torés realizados por algumas aldeias, tanto potiguaras como tabajaras.
Saudação em Tupi
O secretário de Estado da Cultura, Damião Ramos Cavalcanti, fez sua saudação em Tupi: “Peruraikatu iké”, que quer dizer “sejam bem vindos”. Ele agradeceu a participação das aldeias, o empenho dos caciques e dos grupos artísticos. Reafirmou a política pública do Estado em dar visibilidade e contribuir com a manutenção da cultura indígena, assim como tem feito com os povos ciganos e quilombolas, que também têm seus calendários de festivais.
“É bonito ver todos aqui, mostrando seus conhecimentos e sua cultura original. O Festival cumpre esse papel de fortalecedor desses conhecimentos. Digo desde já que o Festival Indígena permanecerá em nosso calendário, e deve continuar crescendo, ocorrendo também em 2023”, disse o Secretário Damião.
Sandro Gomes Barbosa, Cacique Geral Potiguara, saudou seu povo, agradeceu o esforço na realização do Festival e disse que a nação indígena seguirá com o compromisso de ajudar e tornar efetivo o evento nos próximos anos.
A prefeita de Rio Tinto, cidade anfitriã do Festival, Magna Gerbasi, também elogiou a organização do Festival, falou da importância da cultura indígena e seus rituais de dança, seu artesanato e culinária. Cristiane Almeida, secretária executiva da Mulher e da Diversidade Humana do Estado, também saudou os Potiguaras, Tabajaras e público em geral.
O representante da Igreja Católica no Evento, padre Emanuel, dançou toré, cantou hinos religiosos indígenas e disse que sua presença ali era uma reverência aos povos originários, um reconhecimento à força dessa cultura e, sobretudo, um pedido de desculpas pelas faltas passadas da Igreja com esses povos.
Um dos momentos mais importantes entre os rituais ocorreu na abertura do festival, com a bênção dada pela pajé Maria de Fátima da Conceição. O ato se repetiu ao pôr do sol, no fechamento do evento.
Estrutura e segurança
Os organizadores do evento sinalizaram o caminho até o Casarão – faixas e setas indicativas desde a entrada de Mamanguape, passando pela entrada de Rio Tinto, até as ruas e avenidas no trajeto local. A estrutura também contou com palco e pavilhão para apresentações, tendas, mesas e cadeiras, iluminação e som.
A segurança foi feita por guarnição do Pelotão Indígena da 2ª Companhia da Polícia Militar e da Força Regional da PM. Como também, ambulância ficou de prontidão para emergências médicas.