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Como a maternidade impacta a carreira das mulheres cientistas

publicado: 12/03/2023 00h00, última modificação: 21/03/2023 16h36
Pesquisas globais apontam queda da produtividade das pesquisadoras num período bastante delicado de suas vidas
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A pesquisadora Sandra Isay Saad com a filha Elisa: ela precisou pausar sua pesquisa para a licença-maternidade/ foto: arquivo pessoal
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Sandra Isay Saad com o filho Julio e grávida de Elisa/ foto: arquivo pessoal
2023.03.12 - A União - Pesquisadora precisou pausar pesquisa para licença - Sandra Isay Saad e a filha Elisa
2023.03.12 - A União - Pesquisadora precisou pausar pesquisa para licença- Sandra Isay Saad e o filho Julio

 

 

 

Márcia Dementshuk e Renato Félix

 

A proporção de mulheres em atividade de pesquisa em universidades na Paraíba ultrapassa em 19% à dos homens, desde a iniciação científica até o pós-doutorado, tomando como base os dados provenientes da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq-PB) . Em 2022 foram concedidas um total de 811 bolsas de fomento à pesquisa, 477 (58,9%) desses subsídios são usados por mulheres e 334 (41,1%) por homens. Contudo, a aparição feminina na ciência paraibana pode ser um vulto temporário. Pesquisas globais apontam a queda da produtividade das mulheres cientistas num período bastante delicado de suas vidas: a maternidade. 

Até então, a experiência de ser mãe em meio ao desenvolvimento de um projeto científico e os impactos na carreira era vivida por milhares de mulheres em todo o mundo, mas faltavam dados que mensurassem as implicações deste evento na produtividade científica. Na pesquisa realizada pela coalizão Mothers in Science, baseada na França, com a parceria de outras 17 organizações ao redor do mundo, inclusive no Brasil, as maiores consequências nas carreiras acadêmicas das mulheres ocorrem em torno da cientista-mãe.

A pesquisa foi aplicada em 9 mil pessoas, de 128 países ou nações. Comparou, durante um período de 10 anos, homens que se tornaram pais e mulheres que se tornaram mães: nesse período as mulheres tinham, pelo menos, 10 artigos a menos publicados do que um homem que se tornou pai. Cerca de um terço das mães (34%) que trabalham em turno integral nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática e Medicina, ultimamente, deixaram seus empregos. Uma entre três mulheres diz que sua competência foi questionada por seus empregadores e colegas desde que se tornou mãe. As mulheres são três vezes mais propensas do que os homens a dizer que receberam menos oportunidades profissionais. Mais de 60% das mulheres que estudam ou trabalham nessas áreas disseram que a maternidade impactou negativamente a carreira.

Fala-se que a maternidade é um problema individual, mas as conclusões do Mothers in Science mostram que é um problema estrutural. Outra pesquisa que mede o impacto da maternidade na produtividade científica corrobora os dados levantados pelo Mothers in Science. A pesquisa, publicada em 24 de fevereiro de 2021, na Revista especializada Science, foi aplicada em 2017 e 2018 entre 3.064 professores titulares em 450 departamentos de Ciências da Computação, História e Negócios nos Estados Unidos e no Canadá.

Aponta que a maternidade “explica a maior parte da diferença de produtividade de gênero ao diminuir a produtividade média de curto prazo das mães. Antes dos filhos, as taxas anuais de produtividade de homens e mulheres são semelhantes. (...) No entanto, a produtividade anual das mães diminui imediatamente após o parto, em comparação com as não mães ou os homens. O evento da maternidade diminui acentuadamente a produtividade de curto prazo para as mães (de -48,3% a -17,3%), mas geralmente não para os pais, com exceção do campo da História.

“A maior parte da lacuna existente é causada por um efeito de gênero da maternidade: entre os professores de ciências, ao longo dos 10 anos após o nascimento de seus filhos, as mães produzem em média 17,6 menos artigos do que os pais – uma lacuna que levaria cerca de 5 anos de trabalho para as mães fecharem”, informa a pesquisa.

E ainda, essa pesquisa demonstra que políticas como licença parental remunerada e cuidados infantis adequados auxiliam na permanência das mulheres na academia e em processos seletivos. “Esses resultados têm amplas implicações para os esforços para melhorar a inclusão da bolsa de estudos”, registra o artigo.

Os dados desmembrados fornecidos pela Fapesq mostram que em todos os graus de ensino a maior parte das bolsas de pesquisa são obtidas pelas mulheres, desde a iniciação científica, em nível de graduação, até o pós-doutorado. Mas neste último se dá uma diferença alta, um período no qual as pesquisadoras estão com mais maturidade e, habitualmente, planejam a gravidez ou a adoção de filho(a). No edital Nº 17/2022, específico na concessão de bolsas de pós-doutorado, 63% das bolsas foram conquistadas pelas mulheres e 37% pelos homens. Apenas esse exemplo já é suficiente para a evolução de políticas que amparem as pesquisadoras e garantam a continuidade dos projetos.

O presidente da Fapesq, Rangel Júnior, declara que o tema já está sendo abordado pela fundação. “Nós já tivemos discussões com relação a editais que possam destacar o apoio às meninas e mulheres na ciência, é uma iniciativa que vamos apresentar ainda este ano. Tenho certeza de que haverá apoio substancial do governo do Estado a essas iniciativas. O governador é simpático à causa”, afirma Rangel.

As iniciativas apoio às pesquisadoras são propostas também pelo Mothers in Science, além do apoio financeiro para garantir a continuidade da pesquisa, fornecer flexibilidade aos pais e cuidadores, eliminar o preconceito e a discriminação, simplificar os pedidos de subsídios e reformar o processo de avaliação, entre outros.
 

 

Pesquisadora precisou pausar pesquisa para licença-maternidade

 

A professora Sandra Isay Saad, da Universidade Federal de Campina Grande, teve que interromper sua pesquisa envolvendo meteorologia e meio ambiente por alguns meses: ela teve Elisa, sua segunda filha, durante o processo de pesquisa. Selecionada pelo edital  Oportunidade de Fomento à Pesquisa Colaborativa Fapesq-Fapesp 2019, ela agora solicita uma extensão de seu prazo final para compensar o período em que exerceu a licença-maternidade.

“Eu vou solicitar uma prorrogação no prazo do meu projeto para contemplar esse período em que eu tive que ficar um pouquinho parada por conta da licença-maternidade”, detalha a pesquisadora, cuja pesquisa tem o título “Riscos e oportunidades regionais de mudanças do uso da terra e das mudanças climáticas aos serviços ecossistêmicos hídrico-climáticos: investigação para bacias na Caatinga e na Mata Atlântica do Sudeste”, numa parceria entre USP e UFCG.

A legislação brasileira, pela lei Nº 13.536, permite “a prorrogação dos prazos de vigência das bolsas de estudo concedidas por agências de fomento à pesquisa nos casos de maternidade e de adoção”, mas não considera outras barreiras que prejudicam o desempenho das pesquisadoras.

“Minha pesquisa tenta unir a parte de meteorologia e clima com a parte de meio ambiente. Ver como os ecossistemas e o próprio clima colaboram para o bem estar humano”, explica. “Verificamos a questão dos serviços ecossistêmicos, trabalhamos com modelagem atmosférica para fazer simulações de mudança do uso da terra, clima futuro, mudança climática. Trabalhamos, inclusive, impacto nos recursos hídricos”.

Ela considera que as mulheres que se tornam mães enfrentam dois desafios principais na área da pesquisa. “O primeiro é a questão do seu tempo. Porque o tempo acaba ficando muito restrito. Principalmente no começo, em que o bebê ainda acorda de madrugada e você tem que dormir de dia...”, conta. “Depois você vai conseguindo aumentar um pouquinho o tempo em que consegue se dedicar às atividades e aos poucos você vai voltando. Mas sempre vai ficando mais restrito por causa da família, das crianças”. Sandra hoje é mãe de Julio, de 2 anos, e Elisa, de 4 meses.

Outro desafio diz respeito aos relacionamentos profissionais. “Porque, quando o bebê nasce, você fica impedido de viajar, por conta da amamentação e também porque você não pode expor o bebê no comecinho”, diz a pesquisadora. “Mesmo na gravidez, por causa dos riscos no final, fica complicado. Então reuniões, congressos, acabam sendo prejudicados. Reunião on-line dá para fazer, mas não é a mesma coisa”.

Para Sandra, a distribuição mais igualitária entre os gêneros na carreira de docente-pesquisador é necessária. “Mesmo na minha área, onde eu acredito que a distribuição entre homens e mulheres é mais próxima, acabam chegando mais homens à carreira de docente-pesquisador”, avalia. “De alguma forma, eles acabam sendo favorecidos. Isso acaba refletindo na ciência”.

Em sintonia com as colocações da professora e pesquisadora Sandra, Rangel Júnior, presidente da Fapesq-PB, afirma: “Concordamos plenamente em acompanhar essas questões que envolvem o direito de afastamento maternidade ou adoção e tudo o que se refere a direitos trabalhistas que devam ser transpostos para os programas de pós-graduação no Estado da Paraíba. Ao receber uma bolsa ou financiamento para pesquisa que deverá beneficiar o Estado da Paraíba com o conhecimento científico, esse subsídio se torna uma remuneração essencial para o pesquisador. Toda e qualquer mudança na vida da pessoa que possa interferir nos rumos de um projeto de trabalho precisa ser reconhecida e respeitada e valorizada, no sentido de que se possa garantir àquela mulher o apoio necessário para garantir sua escolha pela maternidade e a continuidade do trabalho, inclusive o afastamento por paternidade, que é uma forma de apoio à mulher”.